17 de agosto de 2008

urbanóide, demasiado urbanóide

há muito tempo as cidades vêm crescendo em velocidade muito maior que o campo. no entanto, segundo dados da onu, somente no último ano mais da metade da população humana passou a habitar as cidades. isto não significa apenas que as cidades crescem vertiginosamente à medida que o campo se esvazia (de gente) e tem sua produção cada vez mais mecanizada e automatizada para suprir as necessidades urbanas.
há o surgimento não apenas de novas questões sociais, sociológicas, políticas, econômicas, filosóficas, etc., mas existe um fator muito pouco abordado, e que também é de grande importância: a questão ecológica.

ecológica não como o termo popularmente cunhado (no sentido de ambiental), mas no sentido técnico da palavra, que significa a interação tanto dentro como entre as partes, biótica ou abiótica de um sistema, e inclui os padrões de crescimento, dispersão, etc. - e é inevitável que o ambientalismo esteja contido nisso.

a ecologia sempre viu o ser humano como uma coisa à parte dos ecossistemas, tanto que a maioria dos estudos abordam ecossistemas inalterados ou áreas limítrofes de vegetações, mas até pouco tempo, (virtualmente) nada havia sido estudado a respeito do próprio ambiente que o homem habita. a idéia da separação do homem de seu meio é tão forte que um professor meu da faculdade me disse uma vez que não considerava a cidade como um ecossistema, o que foi um choque pra mim.

mas nos últimos 20 anos, houve o crescimento de preocupações acadêmicas tentando compreender esta área do conhecimento que é (mais) uma intersecção das ciências sociais com as ciências naturais. o homem passa a ser visto como parte de um ecossistema emergente (i.e. cidade), que apesar de cobrir uma área relativamente pequena, interfere grandiosamente nos recursos hídricos e energéticos e nos ciclos de nutrientes e biogeoquímicos - provavelmente tendo o carbono como o mais explícito -, além de grandes modificações geomorfológicas, sendo necessário o entendimento ecológico de como o homem atua e interfere no seu próprio hábitat e na vida de populações tanto animais, incluindo aqui nossa espécie,como de outros seres vivos que sofrem as conseqüências disso.

devido à atividade humana, causamos a destruição desenfreada de ecossistemas naturais (i.e. não-antropogênicos) e também multiplicamos as taxas de extinção em milhares de vezes, mas mesmo assim, alguns seres vivos conseguem tirar proveito destas condições e vêem a oportunidade de obter seu sucesso evolutivo (é claro que "vêem" não deve ser entendido literalmente, afinal a evolução não é intencional ou direcional.)

os animais que assim conseguem sobreviver são chamados de sinantrópicos e possivelmente são dependentes da presença humana, podendo chegar ao ponto de inexistir em ambientes não-antropizados. animais sinantrópicos são vistos todos os dias, onde quer que haja humanos. só para citar alguns: cupins, formigas, aranhas, moscas, pernilongos, pombos, ratos e camundongos. infelizmente, todos eles causam grandes danos tanto econômicos como em relação a saúde pública praticamente no mundo todo, mas nem todos causam danos diretos ao homem. na cidade de são paulo por exemplo podemos ver outros seres mais "bonitinhos" como por exemplo o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris - vide foto abaixo), que é ave símbolo desta paulicéia, ou capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) que até pouco tempo atrás viviam às margens do rio tietê (apesar deles terem carrapatos que podem transmitir a febre maculosa... mas isto é outra história).

sendo sinantrópicos, significa que quanto mais gente na cidade, mais bichos desses encontraremos nas cidades, certo? é possível, e provavelmente sim.

assim como há pessoas que se adaptam bem às cidades e outras nem tanto, entre os animais podemos citar alguns casos em que esta adaptação é tão alta que as cidades passam a ter populações maiores que no ambientes 'naturais'. um caso notável é das populações de falcões peregrinos (Falco peregrinus) das cidades de Nova Iorque e Berlim, que são as maiores populações conhecidas desta espécie.
adaptações comportamentais também são fáceis de identificar. o melhor exemplo são os corvos do japão, alguns deles às vezes são vistos em cruzamentos das grandes cidades para aproveitar o peso dos carros para quebrar nozes e assim obter seu alimento. há até vídeos no youtube em que dá pra conferir estas coisas. (não coloquei este vídeo aqui pois esta opção foi retirada e portanto v. vai ter que clicar aí no link pra ver.)
mas um exemplo mais fácil e comum para nós, brasileiros, ou pelo menos paulistanos, é o jeito como as pombas fogem da gente quando andamos na rua... praticamente nem ligam que a gente quase pise nelas.
.casos menos inócuos também ocorrem. no canadá, por exemplo, é comum o ataque de ursos pretos (Ursus americanus), que vão às cidades para obter seu alimento. muitas pessoas são atacadas e até mortas por esses ursídeos.

há ainda muito o que dizer e muito mais a entender sobre os mecanismos e modificações dos padrões que controlam as vidas que estão próximas do ser humano. tentarei abordar da melhor forma estas questões neste novo blógue que inauguro.
entender a ecologia deles e a nossa é essencial para que haja a construção de verdadeiras soluções, mas para isto temos de modificar alguns hábitos também.
não é só ver o bicho invasor como um inimigo, afinal ele não é.
além disso, invadimos e destruímos o hábitat destes animais muito antes deles precisarem tomar de volta.

fontes consultadas:
- synurbization - adaptation of animal wildlife to urban development, de maciej luniak, proceedings 4th international urban wildlife symposium (2004)

8 comentários:

Anônimo disse...

Acho da hora essa sua iniciativa de escrever e tals... Parabéns!!

Mas tem algumas coisas nesse texto q me incomodam...
1 - "os animais que assim conseguem sobreviver são chamados de sinantrópicos e possivelmente são dependentes da presença humana, podendo chegar ao ponto de inexistir em ambientes não-antropizados" --> será msm??? aqui vc quis se referir a indivíduos ou à espécies??
Caso seja espécie acho muita presunção da nossa parte acharmos que, o "progresso" da nossa espécie Homo sapiens sapiens possa ter "mal-adaptado" outras espécies...
Afinal se hj elas estão aqui no mundo de hj não foi por mérito do ser humano... Acho q podemos dizer q facilitou-se uma gama de processos (nidificação, forrageamento, etc.)

2 - "adaptações comportamentais...mas um exemplo mais fácil e comum para nós, brasileiros, ou pelo menos paulistanos, é o jeito como as pombas fogem da gente quando andamos na rua... praticamente nem ligam que a gente quase pise nelas." --> aqui não é bem meu campo, mas tenho minhas dúvidas qto a isto ser uma adaptação comportamental. P/ mim, essa tal de adaptação comportamental é algo que mais profundo do que simplesmente o fato da pomba fugir de ser pisada, atropelada ou não... nesse caso específico vejo mais como um aparente "descaso" da pomba para conosco.. Mais por não apresentarmos um risco aparente, não sermos um predador em potencial e sim pq somos gdes fornecedores de alimento, pricipalmente as velhinhas q jogam pão, milho e outras coisas para alimentá-los... Tanto q se fizermos movimentos bruscos, correr em direção a uma pomba ela tende a fugir... Qm sabe se tivéssemos pomba no cardápio cotidiano elas não nos temeriam... hehehhe

Anônimo disse...

Me expressei de forma errada no comentário acima... no trecho: "Afinal se hj elas estão aqui no mundo de hj não foi por mérito do ser humano" não quis dizer sobre o fato de elas existirem e tals... mas sim pelo fato de elas ocorrerem nas cidades..

glenn makuta disse...

quanto aos animais "dependentes" da presença humana são espécies, é que não me lembro quais, mas há algumas espécies de aranhas que são exclusivamente sinantrópicas. isso não significa que seja mérito nosso, nem que seja mérito apenas do bicho. é claro que essas adaptações só foram possíveis devido as novas condições que surgiram no convívio com o homem(não necessariamente exclusivo de cidades).
e sem dúvida seria presunção achar que o homem que possibilitou esta façanha. se o texto dá essa margem, foi falha minha, mas agora já foi e vou deixar assim, se não seu comentário perde o sentido também.



quanto ao descaso, é um comportamento de habituação que é dirigido aos distúrbios efetuados contra esses bichos, e indivíduos mais habituados a tais perturbações são mais tolerantes.
a tolerância não é infinita, por isso as pombas fogem se v. sair correndo atrás dela. aliás se v. estiver passeando com um cachorro, as pombas fogem muito mais do que se só tivessem pessoas ali, é uma questão de que que é relevante para a auto-preservação.

glenn makuta disse...

ah, e claro, valeu pelos comentários.

Danilo disse...

É garoto... tem um trabalho desafiador pela frente. Gosto dos seus ensaios e acho que você vai se dar bem. A ciência é como uma longa conversa. Um bate papo. O mais legal deste bate papo, é que podemos conversar com as pessoas que já se foram ou que ainda estão por vir. A iniciativa do blog é mais dos jeitos de deixar viva essa conversa.
Assim como temos conversas formais em muitos momentos da nossa vida e os bate papos de botecos são tão importantes quanto os encontros cheios de protocolos os blogs e os artigos científicos se juntam nesta grande busca pelo conhecimento... mesmo que este não sirva pra nada, só pra acalmar os nossos ânimos.

Boa sorte!

ligia disse...

como o mário citou, vou reforçar, pq mesmo vc explicando, o texto, me passa isso... vejo espécies sinantrópicas mais como um oportunismo... uma facilidade... uma adaptação a um nicho que surgiu...
de fato, algumas acabam se adaptando ainda mais, ao ponto de se restringir a esse ambiente, mas será que não sobreviveriam em outro ambiente, ou foram encontradas somente alí? acho que são muitos fatores influenciando uma restrição a certo ambiente... sinceramente, eu desconfio...

glenn makuta disse...

lembrei dos pardais. o carlão diz que o bicho não existe na natureza. consegue sobreviver apenas onde existe a presença humana.

Cazuza disse...

os cupins de madeira seca também...