25 de abril de 2010

tezão amarelo

V. já viu em alguma embalagem de comida (humana ou não) que estampa um grande T dentro dum triângulo amarelo?
Segundo as leis de biossegurança do Brasil, qualquer produto que contenha mais de 1% de organismos geneticamente modificados (OMFG) (OGMs) - ou seja, transgênicos -  deve trazer estampado o seguinte símbolo em sua embalagem:




Relato de caso
Outro dia fui comprar ração pras minhas cadelas e notei, depois de chegar em casa, que a embalagem trazia esse símbolo. Olhei o saco de ração anterior, que já tava no fim, e também tinha o tal símbolo.
A partir disso procurei um saco de ração mais velho que esses, porque eu nunca tinha reparado que tinha transgênicos na ração que dava pra meus cães. Enfim achei um terceiro saco, e nele não havia esse símbolo. Considerando que compro aproximadamente um saco de ração por mês, o uso declarado de OGMs  por parte da fabricante de ração (Purina) era recente.

Decidi escrever pra Purina, que pertence à Nestlé, pra anunciar que apesar de estar satisfeito com a qualidade do produto, deixaria de comprar a ração por questões ecológicas que vou explicar melhor logo abaixo. Como resposta, disseram que devido à minha mensagem entrariam em contato comigo através do telefone que deixei no cadastro.

Na quinta feira me ligaram pra esclarecer que os OGMs que eles utilizam eram variedades de soja resistentes à herbicidas, do qual tratarei posteriormente em outro post.
Eu já tinha começado a redigir este texto achando que o que eles usavam era principalmente o milho transgênico. Por isso vou começar a série sobre OGMs pelo milho.

Afinal, porque o alimento transgênico é tão polêmico?
O transgênico é polêmico porque se trata de alimento.
Os nutrientes contidos na alimentação é fisiologicamente necessária para qualquer organismo heterótrofo (ou seja, que não produz o próprio alimento), além disso, a agricultura é a atividade humana de maior escala e impacto na natureza. Logo, além do aspecto ambiental, há diversas implicações políticas, econômicas e sociais muito amplas.

Não ignoro o fato de que o impacto na produtividade, no meio ambiente, na economia e até mesmo na vida dos produtores podem ser positivos ou negativos, dependendo da transgenia feita. Mas é bastante tênue a divisa entre estes dois extremos e comumente os interesses econômicos falam muito mais altos do que as preocupações com qualidade de vida das pessoas ou do meio ambiente.

As variedades transgênicas demoram pra surgir no mercado. Pra se ter uma idéia, algumas variedades transgênicas só conseguem ser disponibilizadas periodicamente de dez em dez anos. Isso porque o esforço despendido em novas expressões gênicas é feita de forma empírica, isto é, em busca de determinadas características por tentativas e erros, o que acaba demorando vários anos, além de  milhões de verdinhas em pesquisa.

Muitas vezes é possível que ninguém saiba ao certo como determinada característica é expressada, e portanto, não tem como fazer prospectos precisos acerca do potencial impacto que estas alterações podem ter a longo prazo.

O problema ecológico que surge é o que pode ocorrer com qualquer população próxima a outra: fluxo gênico.
O que quero dizer com fluxo gênico ser um problema é que não é possível impedir que plantas sejam dispersadas, ou polinizadas e que troquem material genético entre elas livremente, a não ser que a lavoura seja totalmente controlada e isolada.
Fazer tal controle e isolamento no agribusiness brasileiro seria uma coisa no mínimo insensata e inviável, dada a escala em que é praticada.

Mas qual o problema do tal fluxo gênico ocorrer livremente?
O problema é que como a transgenia altera geneticamente um organismo, ele pode transferir tal alteração a organismos descedentes por transferência vertical (reprodução), ou potencialmente (mesmo que raro), causar alterações em organismos não aparentados de diferentes grupos (inclusive o homem) através da transferência horizontal (clique no link para entender um pouco melhor este caso).

Como já disse, utilizarei o caso do milho, convencional x transgênico: um caso real publicado recentemente no Brasil, mais precisamente no Paraná (estado que é maior produtor de milhos do país).
O milho apresenta polinização pelo vento (polinização aberta) e as lavouras convencionais podem cruzar com as trangênicas, caso não haja controle. Segundo a edição de 12 de abril de 2010 do jornal Brasil Econômico, a saca de milho transgênico custa entre R$16 a R$16,50 enquanto o convencional chega a custar R$18, afetando direta e negativamente as economias do produtor que optou pelo milho convencional que tenha sido contaminado pela transgênica. E, portanto, o impacto econômico pode ser gigantesco, dependendo da escala da produção.

No Brasil, a regulamentação de OGMs é feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).   E ela regulamenta que uma lavoura transgênica deva distar 100m (de campo aberto) de uma lavoura convencional ou então 20m mais 10m de linhas de plantio entre elas. Segundo a Comissão (que supostamente deveria se apoiar em argumentos técnicos e científicos ao invés de econômicos), isso seria o suficiente para que não ocorra o tal fluxo gênico entre uma lavoura convencional e transgênica.

Segundo informações do site do SEAB, Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pensa o seguinte:
o Paraná é o único Estado que se preocupa e adotou providências sobre esse tema. De acordo com ele, são necessários, pelo menos, 400 m de distância entre a cultura modificada e não-modificada geneticamente para evitar a polinização tanto para o milho como para a soja, destacou. 
Pois bem, a Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná (SEAB) fez estudos que comprovavam que isso não é verdade, mas o CTNBio simplesmente ignora ao não rever suas próprias regras. E não é por falta de conhecimento, pois a SEAB notificou diversos órgãos públicos tais como Ministério do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Meio Ambiente; da Saúde; da Justiça; da Casa Civil; Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à Presidência da República

Infelizmente não encontrei, disponível na internet, a nota técnica publicada no começo do mês entitulada "Plano de Monitoramento do fluxo gênico entre lavoura de milho transgênico e não transgênico na região Oeste do Paraná". Mas o caso foi amplamente noticiado e é possível encontrar algumas outras informações relevantes sobre o assunto no próprio site da SEAB. Um quadro que encontrei em diversos sites resume os dados sobre as taxas de contaminação encontrados pelo SEAB:


Resumo dos dados encontrados pelo SEAB acerca da contaminação de milho transgênico em lavouras convencionais. 
Os dados levantados são referentes à última safra de inverno do milho ("milho safrinha"). tirado daqui

O assunto é complexo e as entidades alinhadas com a CTNBio alegam até que os dados publicados pela SEAB são meramente técnicas, não tendo sido constatadas em publicações científicas e que, portanto, não teriam validade científica.

Essa situação agrava ainda mais a perda gradual e crescente da agrobiodiversidade (com a substituição e extinção de variedades crioulas e/ou endêmicas) e da biodiversidade silvestre (já que o risco deste tipo de contaminação para áres silvestres também existe).A ocupação e expansão desordenada, sem fiscalização e planejamentos efetivos das fronteiras agrícolas também contribui fortemente para esse cenário.

Apesar do milho ser diversificado, boa parte já foi extinta!

Segundo dados da FAO, mais de 80% da biodiversidade do milho está extinta... consequentemente o conhecimento no preparo de alimentos e do cultivo dessas variedades também. No outro lado da moeda, Edilson Paiva, presidente da CTNBio, se gaba de que  “Há mais de 70 anos sabemos mexer com a polinização do milho. Ele é tão domesticado que não sobrevive sem a ajuda do homem”. É óbvio que isto vem com a homogeneização de toda a diversidade, não só biológica, mas geográfica e cultural. É  a obsoleta idéia equivocada do modelo criado pelo imperialismo cultural de séculos atrás, que persiste em países como o nosso. E o sistema de produção atual ainda continua nesse mesmo sentido, sendo até valorizado como um aspecto positivo de desenvolvimento.

Este é o ano da biodiversidade, e este é um momento propício para que reflexões a respeito da biodiversidade e do futuro de recursos naturais sejam levadas mais a sério. Enquanto a economia considerar 50 anos como longo prazo, não sobreviveremos muito além disso com alguma saúde social e econômica (e consequentemente ambiental).

Como todas as questões pertinentes à sustentabilidade, o que era de se esperar era de que, na incerteza, prevalecesse o princípio da prevenção.
No final das contas é uma questão da escala em que tratamos o problema.
Ainda tenho a esperança de um futuro próspero para a humanidade, e que ela não continue rastejando em agonia nessa direção.

3 comentários:

Alexandre disse...

excelente esse post.
puts....ficou muito clara toda a informação.
parabéns....muito bom.
weeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee

TEBALDI disse...

oooo glenn,
parabéns cara, ficou excelente!

glenn makuta disse...

valeu amiguitos