20 de abril de 2015

O Absurdo da Agricultura

Assim como na agricultura, precisamos trazer a pecuária ao nível familiar, de menor escala, pequenas produções para todos.

Enquanto agricultores estiverem marginalizados, estaremos continuando este genocídio cultural.
No artigo 'O Absurdo da Agricultura', José Lutzenberger lembra que isso esteve subjacente ao processo de escravização dos africanos, que já estavam sociocultural e politicamente desest
ruturados.

Isso é tão dramático que por exemplo assentados no estado de São Paulo já não tem mais tradição e conhecimento agrícola, sendo um enorme agravante da questão agrária.
Deixamos de saber como se produz as coisas e como trabalha uma série de ingredientes.

A extinção cultural e de agrobiodiversidade tb é pra sempre.


Leia abaixo trecho de O Absurdo da Agricultura, de José A. Lutzenberger (2001).
Grifos meus.

[A marginalização de tais pessoas é a continuação de um dos maiores desastres dos tempos modernos. Ao chegar às favelas das cidades terão de comprar comida cultivada em monoculturas que são menos produtivas do que as delas. Em última análise, existe menos comida e mais pessoas para alimentar. Existe excesso em alguns lugares e escassez noutros. Freqüentemente a terra é tomada por criadores de gado que raramente produzem mais do que 50 kg de carne por hectare ao ano. Centenas de histórias similares poderiam ser contadas. Acima de todas as calamidades pessoais, quando a terra perde seus camponeses, temos genocídio cultural!

No caso da criação em massa de animais para carne e ovos, os métodos são absolutamente destrutivos: muito mais alimento para humanos é destruído do que produzido. As galinhas em seus tristes campos de concentração ou fábricas de ovos, eufemisticamente chamadas de "granjas", são alimentadas com rações "cientificamente equilibradas", consistindo em grãos de cereais, soja, torta de óleo de palma ou de mandioca, muitas vezes com farinha de peixe.

Conhecemos casos no Brasil nos quais sua ração contém leite em pó, proveniente do Mercado Comum Europeu! Isto coloca essas aves então numa posição de competição com os humanos: nós as alimentamos com nossas lavouras. Um absurdo total se o propósito é contribuir para resolver o problema da fome mundial. Na agricultura tradicional as galinhas comiam insetos, minhocas, esterco, ervas, capim e restos de cozinha e de colheita, desta maneira aumentando a capacidade de sustento das terras dos agricultores para humanos. Agora elas a diminuem.

Nestes esquemas, o coeficiente de transformação da ração em alimento humano é próxima de 20 para 1. É preciso levar em conta que metade do peso dos animais vivos (penas, ossos, intestinos) não é consumida por nós. Também é preciso considerar que as rações desidratadas e concentradas têm um alto consumo de energia, atingindo o máximo de 12% de água, enquanto a carne contém até 80%. Nos galpões de engorda, as operações mais eficientes usam em torno de 2,2 kg de ração para obter 1 kg de peso vivo, metade da qual é alimento humano. Então, 2,2 para 1 se torna 4,4 para 1. Corrigindo-se o conteúdo de água, 4,4 vezes 0,88 e 1 vezes 0,2 obtém-se 3,87 para 0,2, igual a 19,36 para 1. Quando se trata de gado bovino confinado, como nos feed lots de Chicago, a relação é cerca de cinco vezes maior.

Mais recentemente, algumas de nossas granjas "aperfeiçoaram" ainda mais este coeficiente, incluindo na ração rejeitos de galinhas abatidas, desta maneira forçando-as ao canibalismo!

Outro aspecto absurdo diz respeito às rações "cientificamente equilibradas" que não contêm nada verde, o mesmo acontecendo com as dos porcos. As galinhas e os porcos são vorazes consumidores de ervas, gramíneas, frutos, nozes e raízes. Em nossos experimentos com agricultura sustentável na Fundação Gaia também os alimentamos com plantas aquáticas, com grande sucesso - animais saudáveis, sem antibióticos, sem drogas, sem veterinários.

Além disso, nos "campos de concentração" de galinhas e fábricas de ovos, assim como nos modernos "calabouços" de porcos, as pobres criaturas vivem sob condições de extremo estresse.

É tempo de acabar com a mentira de que apenas a agricultura promovida pela tecnologia pode salvar a humanidade da inanição. O oposto é verdadeiro. É preciso uma nova forma de balanço econômico que, à medida que soma o que é chamado "produtividade" ou "progresso" na agricultura, também deduza todos os custos: as calamidades humanas, a devastação ambiental, a perda da diversidade biológica na paisagem circundante e, ainda, a mais tremenda perda, a biodiversidade em nossos cultivares.

Este segundo aspecto será agora enormemente agravado com a biotecnologia dominada pelas grandes empresas, como veremos adiante. E, mais importante e decisivo: a não-sustentabilidade disso tudo. Temos o direito de agir como se fôssemos a última geração?

No caso de operações industriais envolvendo galinhas é fácil ver como tais métodos destrutivos se desenvolveram. Estou falando do que observei no Sul do Brasil - o Brasil é um grande exportador de carne de galinha, principalmente para o Oriente Médio e o Japão.

A partir de esquemas muito simples, nos quais pequenos empresários individuais confinavam galinhas num galpão e as alimentavam com milho, o sistema coalesceu e cresceu até um ponto em que, atualmente, existem em torno de meia dúzia de companhias muito grandes e umas poucas pequenas. Os grandes abatedouros processam até centenas de milhares de galinhas por dia; operam de acordo com regras impostas por eles, chamadas "integração vertical". O "produtor" assina um contrato, comprometendo-se a comprar todos os seus insumos - pintinhos, ração e drogas - do abatedouro. Mesmo que ele seja agricultor e tenha uma grande produção de grãos, está proibido de usá-la para alimentar suas galinhas. É obrigado a comprar a ração pronta, mas pode vender o seu milho para a fábrica de ração que pertence à mesma companhia proprietária do abatedouro e da incubadeira que produz os pintos. Estes operam um tipo diferente de "campo de concentração" de galinhas, onde os prisioneiros são galos e poedeiras, havendo um galo para cada dez galinhas. As galinhas não ficam em pequenas gaiolas, como nas fábricas de ovos, elas podem se mover livremente dentro do galpão e pular para dentro de amplos ninhos para pôr os ovos.

Nas operações de esteiras rolantes das fábricas de ovos, chamadas baterias, as pobres poedeiras estão confinadas, três em cada gaiola, sobre uma grade de arame, onde os ovos rolam para fora. Os pintos produzidos nestas incubadeiras não são mais de raças tradicionais de galináceos: são de marcas registradas e híbridos. Assim como o milho híbrido, eles não podem ser reproduzidos com manutenção de características raciais.

Após comprar todos os seus insumos da companhia com a qual assumiu contrato, o camponês é obrigado a vender somente para a mesma (sic). Ele não é autorizado a vender para empresas concorrentes, pois estas não comprariam sua produção. Assim, ele pode ter a ilusão de ser um pequeno empresário autônomo, mas sua situação real é a de um operário com horas de trabalho ilimitadas, sem fins-de-semana, feriados, nem férias e ainda tem que pagar sua própria previdência social.

Se a grande companhia trabalhasse com empregados de carteira assinada, ela não seria tão lucrativa: sairia muito caro e correria riscos. Desta maneira, deixam todos os riscos com o produtor: perda por doenças ou custos adicionais com drogas e antibióticos, choque de calor - um desastre comum durante os dias quentes de verão, quando centenas ou milhares de galinhas morrem nos abarrotados e mal ventilados galpões - e perdas durante o transporte. As galinhas que morrem nos caminhões da companhia no trajeto até o abatedouro são também descontadas.
 
Os lucros do produtor também diminuem constantemente com o crescente preço dos insumos e a queda do faturamento com as vendas. A margem do produtor é muito pequena, mesmo se tudo correr bem. Mas, se for preciso alimentar os animais durante mais alguns dias, o lucro pode evaporar ou até mesmo se transformar em perda. Esta é uma ocorrência comum. O abatedouro agenda suas viagens de entrega de galinhas prontas de acordo com sua própria conveniência. Mas se a companhia obtém lucros excepcionais no mercado de exportação, nada vai para o produtor?...
Portanto, os "campos de concentração" de galinhas nada têm a ver com maior produtividade para ajudar a salvar a Humanidade de inanição - de fato, eles contribuem para o problema - mas concentram capital e poder pela criação de dependência.]

 

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