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Os países ricos, definitivamente, devem mudar seu estilo de vida, que coloca em risco o equilíbrio ecológico mundial — pois, nesta perspectiva, como apontam José María Tortosa e o economista egípcio Samir Amin, também são de alguma maneira subdesenvolvidos ou "mal desenvolvidos". Empenhados nesta tarefa, terão de voltar por boa parte do caminho que percorreram, dando marcha a ré em um crescimento irrepetível em nível mundial. Igualmente devem assumir sua corresponsabilidade para da espaço a uma restauração global dos danos provocados — em outras palavras, devem pagar sua dívida ecológica.
Não se trata simplesmente de uma dívida climática. A dívida ecológica encontra suas origens na espoliação colonial — a extração de recursos minerais ou a derrubada massiva de bosques naturais, por exemplo — e se projeta tanto no intercâmbio ecologicamente desigual"como na ocupação gratuita do espaço ambiental" dos países empobrecidos em decorrência do estilo de vida predatório dos países industrializados. Aqui, cabe incorporar as pressões provocadas sobre o meio ambiente através das exportações de recursos naturais — normalmente a preços baixos, que não incorporam, por exemplo, a perda de nutrientes e biodiversidade nos países subdesenvolvidos —, exacerbadas pelas crescentes pressões que se derivam da proposta de abertura total dos mercados. A dívida ecológica cresce, também, a partir de outra vertente, relacionada à anterior, na medida em que os países mais ricos superaram em muito seus equilíbrios ambientais nacionais ao transferir poluição (resíduos ou emissões) direta ou indiretamente a outras regiões sem assumir qualquer ônus por isso.
Ainda temos de acrescentar a biopirataria, impulsionada por várias corporações transnacionais que patenteiam em seus países de origem uma série de plantas e conhecimentos indígenas. Nesta linha de reflexão, também cabem os danos que se provocam à Natureza e às comunidades, sobretudo camponesas, com as sementes geneticamente modificadas. Por isso, poderíamos perfeitamente afirmar que não apenas existe um intercâmbio comercial e financeiramente desigual, como propõe a teoria da e dependência, mas também se registra um intercâmbio ecologicamente desequilibrado e desequilibrador.
A crise provocada pela superação dos limites da Natureza nos leva necessariamente a questionar a institucionalidade e a organização sociopolítica. Tenhamos presente que, como escreveu o físico alemão Egon Becker, "na crise ecológica não apenas se sobrecarregam, distorcem e esgotam os recursos do ecossistema, mas também os dos 'sistemas de funcionamento social'. (...) A sociedade se converte em um risco ecológico". Esse risco amplifica as tendências excludentes e autoritárias, assim como as iniquidades tão próprias do sistema capitalista: "um sistema de valores, um modelo de existência, uma civilização: a civilização da desigualdade", tal como o compreendia o economista austríaco Joseph Schumpeter.
Diante destes desafios, aflora com força a necessidade de repensar a sustentabilidade em função da capacidade de uso e resiliência da Natureza. Em outras palavras, a tarefa radica no conhecimento das verdadeiras dimensões da sustentabilidade e em assumir a capacidade da Natureza de suportar perturbações — que não podem subordinar-se a demandas antropocêntricas. Esta tarefa demanda uma nova ética para organizar a vida. É necessário reconhecer que o desenvolvimento e o progresso convencional nos conduzem por um caminho sem saída. OS limites da Natureza, aceleradamente transbordados pelos estilos de vida antropocêntricos, particularmente exacerbados pelas demandas de acumulação do capital, são cada vez mais perceptíveis.
São objetivos complexos. Em vez de manter o divórcio entre a Natureza e o ser humano, provocado pela violência de uma concepção de vida predatória e certamente intolerável, há que possibilitar seu reencontro. O filósofo francês Bruno Latour nos diz que ä questão é sempre a de reatar o nó górdio, atravessando, tantas vezes quantas forem necessárias, o corte que separa os conhecimentos exatos e o exercício do poder, digamos, a natureza e a cultura". Latour propões profundos debates na antropologia sobre a divisão entre Natureza, no singular, e culturas, no plural. Unindo as duas, a política adquire uma renovada atualidade.
Para obter essa transformação civilizatória, é preciso inicialmente desmercantilizar a Pacha Mama ou Mãe Terra, como parte de um reencontro consciente com a Natureza. É um desafio especial para quem vive nas cidades — que se encontram, no mínimo, distantes da Natureza. Os habitantes das cidades devem entender e assumir que a água, por exemplo, não vem dos supermercados ou da torneira.
Os resultados econômicos devem estar subordinados às leis de funcionamento dos sistemas naturais, sem perder de vista o respeito à dignidade humana e procurando assegurar qualidade de vida às pessoas. Concretamente, a economia deve demolir toda a construção teórica que esvaziou "de materialidade a noção de produção e [separou] completamente a racionalidade econômica do mundo físico, completando, assim, com seu carrossel de produção e crescimento, o mero campo do valor, nas palavras do economista espanhol José Manuel Naredo.
A economia deve submeter-se à ecologia. Por uma razão muito simples: a Natureza estabelece os limites e alcances da sustentabilidade e a capacidade de renovação que possuem os sistemas para autorrenovar-se. Disso dependem as atividades produtivas. Ou seja: se se destrói a Natureza, destroem-se as bases da própria economia.
Isso nos obriga a evitar ações que eliminam a diversidade e a substituem pela uniformidade provocada pela megamineração, pelos monocultivos ou pelos trangênicos, por exemplo. Tais atividades, como reconhece o ecologista chileno Godofredo Stutzin, "rompem os equilíbrios, produzindo desequilíbrios cada vez maiores".
Escrever essa mudança histórica, ou seja, a transição de uma concepção antropocêntrica para uma sociobiocêntrica, é o maior desafio da Humanidade, se é que não queremos colocar em risco a existência do prprio ser humano sobre a Terra.
Alberto Acosta (2016) em
O Bem Viver - uma oportunidade para imaginar outros mundos, p.118-121
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