29 de agosto de 2018

Faz sentido benefícios tributários sobre agrotóxicos?


Por Tathiane Piscitelli | Valor

Tramita no Supremo Tribunal Federal a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 5.553, que discute a validade de benefícios fiscais de ICMS e IPI concedidos a agrotóxicos. Em linhas gerais, o Convênio ICMS nº 100, de 1997, prevê redução de 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais de produtos desse tipo e a tabela do IPI, de outro lado, estabelece a alíquota zero para os mesmos bens.

O IPI e o ICMS, como é sabido, são impostos que se pautam pelo princípio da seletividade, cuja referência é a essencialidade do bem: quanto mais essencial, menor deve ser a alíquota fixada. Trata-se de mitigar o efeito inerentemente regressivo da tributação do consumo. Esse é um mandamento constitucional e não mera escolha de política fiscal do ente tributante.

De outro lado, a concessão de benefícios tributários configura gastos indiretos para os entes, que optam pelo não recolhimento do tributo (ou pela redução da incidência) com o objetivo de estimular o setor beneficiado. Trata-se, pois, de alocação de recursos públicos em determinadas áreas, porque julga-se que os benefícios advindos do incentivo compensarão as perdas arrecadatórias.

A existência de benefícios fiscais tão significativos aos agrotóxicos revela, como fica óbvio, evidente incentivo estatal para o uso das substâncias, além de implicar o financiamento público indireto da indústria. Em um cenário de crise financeira e revisão de privilégios, parece-me apropriado que joguemos luzes sobre esse tema.

A Advocacia Geral da União, intimada a se manifestar na Adin, defendeu os incentivos, sob argumentos de natureza econômica: sendo os agrotóxicos insumos relevantes na produção agrícola, seu incentivo beneficia, em última análise, os alimentos e, assim, o consumidor final, que terá um produto mais barato. Nesse sentido, teríamos realização da seletividade imposta ao IPI e ao ICMS.

O argumento, porém, não se sustenta. Em primeiro lugar, alimentos e agrotóxicos não se confundem. Conceder benefícios fiscais para um não tem como consequência direta o benefício do produto agrícola. Essa postura, ao contrário, pode estimular o uso massivo dessas substâncias, cujos efeitos são reconhecidamente nocivos para a saúde da população. É o oposto, portanto, da função extrafiscal do IPI: o resultado, aqui, é o estímulo ao consumo de um produto que gera externalidades negativas notórias.

Ademais, assumir a premissa de que o benefício ao agrotóxico reverbera no preço final do alimento implica afirmar que essa é a única forma possível de baratear a produção agrícola e o produto final respectivo. A redução da tributação do próprio produto final, das máquinas utilizadas, das prestações de serviços intermediárias, entre outros, são alternativas à redução do custo final do alimento. Isso tudo com a vantagem de não depreciarem a qualidade da produção agrícola para o consumo humano, nem submeterem os trabalhadores rurais ao contato com substâncias venenosas.

Em outubro de 2017, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se na ação, opinando pela sua procedência, reconhecendo que a manutenção dos incentivos resulta no fomento do uso de agrotóxicos – e o nosso movimento normativo deveria ser exatamente o oposto. Ato contínuo, o relator, ministro Edson Fachin, requereu pareceres e esclarecimentos de diversas entidades técnicas e ligadas a saúde, para melhor embasar o julgamento da questão. Em 22 de agosto último, os autos foram conclusos.

Parece evidente que o Estado não deve ser o agente que financia e incentiva o uso de agrotóxicos na produção agrícola. É preciso lembrar também que o consumo de alimentos capazes de depreciar a saúde da população no longo prazo, assim como a exposição de trabalhadores do campo a substâncias tóxicas, tem impacto nas contas públicas, em razão de despesas ocasionadas por doenças resultantes dessa exposição em alto grau – seja no sistema de saúde, seja no de previdência social.

Em sua função extrafiscal, o direito tributário deve ser utilizado para corrigir externalidades negativas e não incentivá-las. É urgente o julgamento do tema pelo Supremo, com a declaração de inconstitucionalidade das normas acima mencionadas. A manutenção desses benefícios desvirtua severamente a natureza seletiva do IPI e do ICMS e aporta recursos públicos em indústrias que deveriam ser desestimuladas.

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