24 de dezembro de 2019

abismo

"Não tem fim do mundo mais iminente do que quando você tem um mundo do lado de lá do muro e um do lado de cá, ambos tentando adivinhar o que o outro está fazendo. Isso é um abismo, isso é uma queda. Então a pergunta a fazer seria: "Por que tanto medo assim de uma queda se a gente não fez nada mas outras eras senão cair?"
Já caímos em diferentes escalas e em diferentes lugares do mundo. Mas temor muito medo do que vai acontecer quando a gente cair. Sentimos insegurança, uma paranoia da queda porque as outras possibilidades que se abrem exigem implodir essa cada que herdamos, que confortavelmente carregamos em grande estilo, mas passamos o tempo inteiro morrendo de medo. Então, talvez o que a gente tenha que fazer é descobrir um paraquedas. Não eliminar a queda, mas inventar e fabricar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos. Já que aquilo de que realmente gostamos é gozar, viver no prazer aqui na Terra. Então, que a gente parte de despistar essa nossa vocação e, em vez de ficar inventando outras parábolas, que a gente se renda a essa principal e não ser deixe iludir com o aparato da técnica. Na verdade, a ciência inteira vive subjugada por essa coisa que é a técnica.
(...)
Já que ser pretende olhar aqui o Antropoceno como o evento que pôs é contato mundos capturados para esse núcleo preexistente de civilizados, é importante lembrar que grande parte daqueles mundos desapareceu sem que fosse pensada uma ação de eliminar aqueles povos . O simples contágio do encontro entre humanos daqui e de lá fez com que essa parte da população desaparecesse por um fenômeno que depois ser chamou epidemia, uma mortandade de milhares e milhares de seres. Um sujeito que saía da Europa e descia numa praia tropical largava um rastro de morte por onde passava. O indivíduo não sairá que era uma peste ambulante, uma guerra bacteriológica em movimento, um fim de mundo; tampouco sabiam as vítimas que eram contaminadas. Para os povos que receberam aquela visita e morreram, o fim do mundo foi no século XVI. Não estou libertando a responsabilidade é a gravidade de toda a máquina que moveu as conquistas coloniais, estou chamando atenção para o fato de que muitos eventos que aconteceram foram o desastre daquele tempo. Assim como nós estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo, ao qual algumas seletas pessoas chamam de Antropoceno. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações, e estamos todos jogados nesse abismo."
Trechos de 'A humanidade que pensamos ser' do Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton  Krenak 

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