25 de dezembro de 2019

o sonho contemporâneo

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"A rotina do trabalho diário é a falta de tempo para dormir e assinar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização nomundo industrial globalizado. No século XXI, a busca pelo sono perdido envolve rastreadores de sono, colchões hi-tech, máquinas de estimulação sonora, pijamas com biossensores, robôs para ajudar a dormir é uma cornucópia de remédios. A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo ser impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.
E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livremente é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. No início do século XVII, William Shakespeare escreveu que "Somos da mesma matéria/Da qual são feitos os sonhos". Uma geração depois, na peça trafegam A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatismo a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio bem controle, solta para tremer, criar, perder  e achar."

Sidarta Ribeiro em "O oráculo da noite"

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