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22 de junho de 2010

Comidas veneno - introdução

O Brasil ostenta diversos títulos mundiais (ou quase isso) que não me agradam nada. Atualmente, os que mais me preocupam são os do uso de agrotóxicos e de produção de transgênicos. 
O uso dos venenos agrícolas são os mais preocupantes, e essa preocupação ocorre em duas instâncias:

- A primeira, de cunho genético-familiar. Minha mãe morreu de leiomiosarcoma, definido, segundo o dicionário digital de termos médicos como tumor maligno de tecido muscular liso, invasivo e matastásico. A metástase afetou, dentre diversas regiões, áreas neurais como o cerebelo (afetando gravemente sua coordenação motora). O desenvolvimento de câncer em familiares de pessoas envolvidas com as ciências muitas vezes as inspira em buscas por novos tratamentos, medicamentos e curas, o que não é nada mal. No meu caso, me fez ter uma preocupação imensa com as principais causas ambientais e comportamentais que levam a manifestação dele, afinal, acredito que prevenir é muito melhor do que remediar.

- A segunda instância é de cunho socioambiental. Os diversos hábitos que desenvolvemos nestes tempos modernos são meramente culturais, e muitas vezes acabamos simplesmente aceitando as coisas como as conhecemos. É o caso da alimentação, que deve ser mudada em grande parte, a começar pelo respeito ao pequeno agricultor e aos recursos naturais. Infelizmente nosso país não respeita nem um nem outro, sendo guiado, na maioria das vezes, por interesses meramente político-econômicos. E nessa briga, como bom representante de um dos maiores abismos socioeconômicos do mundo que é o nosso país (em 10º, segundo o índice de Gini - clique para ver o ranking no site da CIA), obviamente quem ganha é aquele com maior poder aquisitivo (i.e. megacorporações e gente rica que têm condições de comprar a lei) em detrimento de interesses sociais. 

Pois bem, o interesse desses gigantes está garantido (por enquanto e por tempo indeterminado). O seu interesse, v. é que tem que se virar para assegurar. 
A opções de consumo é uma ótima forma de escolher produções que apoiamos, já que ficar sem comer em um ambiente urbano é deveras árduo. Para se consumir melhor é necessário conhecer.

A indústria agroquímica é um mercado oligárquico em que algumas poucas empresas controlam boa porção dos insumos químicos utilizados no mundo todo. Dentre elas podemos citar Monsanto, BASF, Dow, Bayer, DuPont e Syngenta.Essas empresas são também, as principais promotoras dos OGMs - que muitas vezes são vendidas (e compradas) como se fossem a solução de problemas como fome ou baixa produtividade. 

Sou contra transgênicos.
Listo alguns fatores que considero para minha posição, não necessariamente na ordem de importância:

* dos causados diretamente pelo cultivo de OGMs:

- Contaminação Biológica: A contaminação ambiental pela dispersão e cruzamentos com variedades não transgências é pouco conhecida, e há alguns estudos que já apontam que as medidas de biossegurança tomadas até o momento são insuficientes, pelo menos em nosso país.

- Agrobiodiversidade: O uso de variedades transgênicas se dá em detrimento de cultivares tradicionais que deixam de ser economicamente viáveis, sendo culturalmente esquecidos (tanto as formas de cultivo como o uso dessas variedades). Como em qualquer ecossistema, os tecnoecossistemas (aqueles alterados pelo homem) refletem na biodiversidade a sua qualidade.

- Político: Favorecer minorias de grandes corporações em detrimento de uma grande maioria duma classe social pouquíssima reconhecida, inviabilizando as produções tradicionais de pequenos agricultores vai totalmente contra meus ideais políticos. Pequenos produtores são responsáveis por grande parte do fornecimento de alimentos, mas não têm o merecido reconhecimento, ficando dependentes das variedades fornecidas pelas megacorporações agroquímicas, por meio de contract farming, digamos, de má fé: por uma questão de patentes, o agricultor deve sempre comprar novas sementes, não obtendo qualquer autonomia econômica. 

* dos agravados pelo cultivo de OGMs, principalmente pela escala em que é praticada.
- Social: Pela soberania alimentar das comunidades. Não tenho nenhuma simpatia com a situação de fome promovida por políticas socioeconômicas em nosso ou em outros países. O direito ao alimento é, ou imagino que deveria ser, inviolável. "Comer é um ato agrário", como já dizia Wendel Berry. Esta não é causada pelos transgênicos, mas agravada indiretamente pelas práticas necessárias à produção de transgênicos.

- Degradação e Contaminação Ambiental: A aplicação massiva de substâncias químicas e as monoculturas transgênicas têm efeito cumulativo e desnecessário para produção de alimentos (na verdade isso se aplica a todo agribusiness). Essas práticas têm grande potencial para contaminar solos, água e ar.

- Saúde: o amplo uso de agrotóxicos têm diversos efeitos colaterais em longo prazo na saúde humana e também na de outros organismos. O potencial mutagênico de substâncias químicas é muito amplo, alterando diversas funções biológicas.

- Ética: Como consumidor, prefiro conhecer a procedência daquilo que estou financiando. A transparência não é regra nem para produtos convencionais e isso só dificulta a situação. A Monsanto, gigante da indústria agroquímica e de OGM, já foi acusadas por propaganda enganosa, mostrando que além de omitir informações eles ainda mentem (ok, ok, são humanos e susceptíveis a erros, mas é um erro grave).

Creio que são pontos interessantes para serem refletidos por qualquer um, sejam pessoas contra, a favor ou mesmo as que não tem qualquer opinião formada a respeito dos OGMs.
Os preceitos de sustentabilidade devem permear os sistemas de produção alimentar e devem ser pensados não apenas econômica, social ou ambientalmente, mas pelo menos nesses três âmbitos conjuntamente. 

PS: Recomendo a visita ao site da ISAAA (International Service for the Acquisition of Agri-biotech applications), creio que seja a única fonte de estatísticas a respeito de OGM no mundo. Há dados de quanto se usa, qual a área que ocupa, os tipos de transgenia, os cultivares, os países e tudo mais. Há um novo relatório (#41) sobre os 14 anos (2009) de comércio de OGMs que vale a pena conferir. Infelizmente não há o relatório disponível na íntergra, mas é possível acessar alguns dados disponíveis no site.
PS2: acesso ao mapa entitulado Global Status of commercialized Biotech/GM Crops: 2009
PS3: acesso a slides sobre dados oficiais do ISAAA sobre OGMs

28 de novembro de 2009

homem-pombos: por um antropocentrismo saudável


homem-pombos: o que fazemos com os outros é o que fazemos conosco. (fonte)

empatia é a capacidade de partilhar emoções e sentimentos com outros indivíduos.
esta capacidade é notável nas espécies, tais como de primatas, em que a sociabilidade é bem desenvolvida.
a empatia permite, portanto, que animais se desenvolvam em sociedades, criando identidade e coesão sociais.

numa cidade como são paulo somos, em diversos momentos do dia, tomados por uma apatia (quase-crônica), principalmente como mecanismo de defesa contra a agressão que é ver homens e mulheres, jovens, crianças ou velhos, vagando pela cidade sem teto, sem comida e muitas vezes sem companhia.

algumas pessoas que têm teto, comida e companhia, brilhantemente alegam que muitos deles façam isso por opção e por isso acabam não se comovendo: idéia mais estúpida que esta é difícil de encontrar. concluem, dessa forma, que essa é uma cena normal.
os sensatos hão de saber que esta é uma cena comum, mas não normal.
normal é que as pessoas tenham pelo menos o mínimo de bem-estar e confortos psicológico, físico e social.
as pessoas acabam indo para as ruas por infinitos motivos, dos quais a minha imaginação provavelmente seria insuficiente para entender. o fato é que a maioria deles está logo alí na esquina, sob o viaduto ou onde quer que não sejam maltratados, sobrevivendo (com alegria quando possível) ao duro cotidiano.

a necessidade de compartilhar sentimentos e emoções levam muitos dos moradores de rua a falarem com pessoas imaginárias, resultado do isolamento social (bem ilustrado no filme 'o náufrago'). mas não é sobre isso que quero falar.

o que vou dizer é sobre uma outra característica da empatia em pessoas em condição de rua, esta que nos confere a característica de nos identificar com o próximo. muitas vezes os vemos acompanhados não de pessoas, mas acompanhado de cães.
é desconcertante, mas a empatia parece ser inversamente proporcional a renda das pessoas, ou seja, quanto mais ricas, menor empatia. isto é ilustrado no ditado que diz  que são os pobres que sempre se ajudam.
fome, não sei o que é passar fome, mas os pobres famintos sabem; e identificam-se na necessidade do próximo a própria necessidade de saciar essa mazela. cada pão encontrado é um pão compartilhado: seja o "outro" humano ou cão.

dito isso, nesta cidade há uma figura urbana, quase um personagem do imaginário da paulicéia. um morador de rua que vaga pela cidade vasculhando nas lixeiras por algo que possa alimentar, não sua própria necessidade, nem de um cão, mas de pombos.
a ele apelido carinhosamente de homem-pombos

aqui faço um adendo:
os pombos a que refiro são os mesmos que causam diversas zoonoses e cuja qualidade de vida é afetada negativamente quanto maior a população. uma baixa qualidade de vida significa, dentre outras coisas, maior ocorrência de doenças, sendo potencialmente nocivo a outras pombas mas também a outros animais (inclusive o homem, claro).
populações de "pragas" urbanas são controladas basicamente pela disponibilidade de água, alimento e abrigo. a restrição a tais recursos permite o controle dessas populações, sendo o comportamento humano um fator que afeta diretamente a manutenção delas.
o único lugar do planeta que tenho conhecimento de que controle de pombos urbanos tenha sido efetivo foi na cidade de basel na suíça. basel é uma cidade de menos de 200 mil habitantes (sendo a segunda cidade mais urbanizada da suíça, segundo o wikipedia), ao contrário de cá, lá não há lixo jogado nas ruas, as pessoas respeitam as leis, e os níveis de educação formal são muito superiores aos nossos. o controle de populações dessas aves por lá se deu basicamente por meio de educação ambiental (uma vez identificado que as pombas eram sustentadas principalmente por "pigeon-friends" que os alimentavam, cartazes que mostravam os males que grandes populações de pombos causavam à própria ave além da determinação de locais apropriados para a prática de alimentá-los); sendo suficiente para que o controle de pombos fosse bem sucedido.
nem tem como comparar as condições de são paulo com basel.
a começar que na conurbação em que se insere o município de são paulo vivem quase 20 milhões de pessoas, sendo um dos lugares mais populosos do mundo. grandes populações, como no caso das pombas, trazem um custo muito alto para a qualidade de vida dos indivíduos que a compõe, muitas vezes não compensando seus benefícios. numa sociedade pós-moderna partida, os custos e benefícios são partilhados de forma bastante desigual. apenas para situar melhor esta desigualdade: o brasil (uma das dez maiores economias do mundo) está entre os países com uma das piores distribuições de renda do planeta, e em são paulo estão as pessoas mais ricas do país.
os problemas ambientais aqui são acetuados por aspectos não apenas políticos (interesse de classes), mas também por problemas socioeconômicos gravíssimos.
para termos um mundo sustentável (e portanto mais justo e saudável) temos de nos centrar na qualidade de vida do homem, este que deve ser o centro de todas as preocupações, mas isso jamais deve vir em detrimento da qualidade do ambiente em que ele se insere. a preocupação ambiental não deve ser motivada por um paternalismo nojento que apenas estraga este país.
... retornando à programação normal:

outro dia, enquanto estava no ponto de ônibus logo na saída da estação trianon-masp, um homem aos trapos passou vasculhando o lixo. acompanhando ele estavam cerca de 30 pombas que sobrevoavam, pousavam e esperavam por ele logo adiante. no lixo seguinte ele encontrara algo: um pão. fez dele migalhas e jogou às pombas. não foi naquele momento que tinha percebido isso, mas naquele momento decidi escrever sobre o episódio.
ele não é o único que alimenta pombos, assim como não apenas pombos são alimentos por essas pessoas. há pessoas alimentando todo tipo de bicho, o que quer que mereça a empatia de um ser humano.
essas pessoas são, sem dúvida, um fator importante na disponibilização de alimento a estes animais. fazem isso simplesmente para saciar a fome de outrém, como fariam por elas.

fome crônica, isto que não sei o que é, é antes de mais nada um problema social.
mas enquanto ignorarmos cada tapa na cara que o duro cotidiano nos infere, nada faremos pelo mundo, pelas próximas gerações, nem por nós mesmos.
o homem deve estar no centro das preocupações do homem, sempre.

para ler mais sobre manejo de pombos urbanos ferais, procure pelos estudos de daniel haag-wackernagel.