a mudança climática já foi por diversas vezes moduladora dos padrões de movimentação do homem e consequentemente de seu comportamento. estima-se que há 70 mil anos a população humana era tão baixa (cerca de 2000 indivíduos) que se pode dizer que quase fomos extintos. alguns milênios depois iniciavam-se as grandes diásporas de nossa espécie e passamos a dominar cenários nunca antes imaginado. o homem rumava à europa, à ásia e mais tarde para a oceania e as américas.
mas não foi apenas na pré-história que o clima foi decisivo nos êxodos e diásporas da humanidade.
atualmente há milhões de pessoas que são refugiadas devido a mudanças climáticas de seus habitat originais, que se tornaram demasiado hostis seja pela seca, pelas enchentes e/ou explosões de epidemias.
além disso, outros tipos de mudanças sociais também são afetadas pelas mudanças climáticas - principalmente a grandes variações térmicas de longo prazo. há desde os casos mais óbvios como a inflação devido a produtividade agrícola reduzida, como outros não tão óbvios, como por exemplo os ciclos de paz e guerra. mas uma coisa é intrinsecamente ligada a outra.
em linhas gerais as mudanças climáticas afetam diretamente a produtividade agrícola, que por sua vez diminui a disponibilidade de alimento per capita. em áreas povoadas, a redução de recursos alimentares aumenta a probabilidade de conflitos armados, fome e epidemias, os quais são eventos que reduzem a população. por este mecanismo de feedback, há maior disponibilidade de alimentos per capita, reduz-se os preços de alimentos que resulta numa relativa paz e crescimento populacional acelerado.
pela ecologia de populações sabe-se que em casos agudos de estresse ambiental, as "escolhas" adaptativas que uma espécie animal tem são a migração, mudanças nos padrões alimentares e redução da população. a redução pode se dar pela morte devido a falta de alimento ou canibalismo.
mas a nossa espécie tem alguns macetes para lidar com tal situação que se expressam em mecanismos sociais para nos adaptar às mudanças climáticas e mitigar o estresse ecológico. além da migração, há outras "escolhas" como as guerras, mudanças econômicas, inovações tecnológicas, comércio e recursos pacíficos de redistribuição de bens. desta forma, devido a plasticidade, os aspectos político-econômicos não são tão responsáveis pelas migrações em massa como as guerras.
o avanço econômico está atrelado também a outro avanço igualmente fantástico: o tecnológico.
a tecnologia visa melhorias na produtividade, eficácia e rendimento do sistema ao qual serve. quando tais progressos não acompanham as mudanças climáticas, numa situação de crescimento populacional, fome e doenças são dificilmente evitadas.
uma vez que as mudanças climáticas ocorrem em nível global ou em grande escala regional, a redistribuição e comércio de recursos (que estão escasseando) não melhora muito o cenário. daí o último recurso que temos é o político e quando este falha, a guerra e o declínio populacional é quase inevitável, sendo que isso era muito mais comum no final da era pré-industrial.
a produção de alimentos é determinante para o surgimento de algumas guerras, e é de se esperar que áreas mais áridas sejam mais conflitantes. as américas, por sua vez, apresentam relativamente pequena densidade populacional e grandes terrenos férteis, o que diminui consideravelmente os conflitos armados que aqui ocorrem. a áfrica e a europa apresentam ecossistemas bem sensíveis a mudanças climáticas como grandes desertos ou áreas congeladas.
mas apesar de cíclico, essas crises não são previsíveis mesmo existindo diversos modelos que as padronizem, tal dificuldade se deve principalmente por ser um sistema dinâmico que apresenta muitos fatores, além de cada lugar apresentar estágios de civilização, cultura e recursos naturais, que aumentam ainda mais a complexidade desse sistema.
vivemos atualmente no período mais quente dos últimos dois milênios (e a tendência é de que continue a aquecer cada vez mais rápido), o que a princípio aumenta a bioprodutividade da agricultura, mas há indícios de que o aquecimento global traz mais efeitos negativos que positivos na produtividade agrícola. os efeitos negativos já são disseminados pela mídia e muita gente está cansada de saber, mas vale a pena citar aqui: aumento do nível do mar, disseminação de doenças tropicais, aumento de eventos meteorológicos extremos e recuo glacial, adicionando custos na economia, que é atualmente baseada na energia barata. estas situações podem criar contrastes sociais gritantes que eventualmente também resultam em conflitos.
o conhecimento que temos hoje a respeito destes padrões ainda é insuficiente para inferirmos a respeito de efeitos secundários ou terciários decorrentes das mudanças climáticas. levando-nos a questões antigas como "até que ponto o planeta suporta a presença do ser humano, considerando-se padrões de vida razoavelmente confortável?" ou mais popularmente falando "até que ponto podemos nos desenvolver 'sustentavelmente'?".
uma vez que rumamos para uma população cada vez maior, visando padrões de vida mais elevados, é necessário que políticas estritamente controladas limitem escolhas adaptativas às mudanças climáticas.
queremos um futuro, e isto é praticamente unânime. mais do que saber até onde o planeta é capaz de suportar talvez a pergunta que devesse ser feita seria: "até que ponto aguentaremos alimentar as diferenças sociais?"
aquele que não se incomoda que atire as pedras.
fontes consultadas:
- early human populations evolved separately for 100,000 years, the genographic project (2008)
- global climate change, war and population declinein recent human history, david d. zhang, peter brecke, harry f. lee, yuan-qing he e zane zhang, pnas (2007)
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