21 de agosto de 2008

a sinurbização e os ninhos

no post inaugural descrevi um processo de alguns animais habitarem cada vez mais os ambientes urbanos, e acabei não falando muito sobre o processo em si. vou fazer alguns posts, cada um abordando um "tema". neste, vou falar de ninhos.
ninhos como estes que vemos nas copas das árvores, em barrancos, em buracos, ou mesmo a casinha do seu cachorro.

para estrear essa seção, iniciarei com uma definição básica a respeito da sinurbização.
sinurbização é a tradução livre (feita por mim) do termo em inglês synurbization, que por sua vez é a junção de synanthropic com urbanization.
sinantrópico já disse o que é: que vive próximo ou em associação com o ser humano.
urbanização como todos já devem saber é o processo pelo qual se dá a ocupação de pessoas supostamente de forma organizada e planejada. supostamente, pois sabemos que a ocupação pode se dar de forma desorganizada e muito burra.
é claro que a burrice não é, necessariamente, das pessoas que ali moram. essas pessoas provavelmente nem tenham opções. a falta de opção leva a uma montanha (quase literal) de casas sem estrutura nem o mínimo de conforto que as pessoas deveriam ter.
a foto ilustra uma situação relativamente "confortável", se compararmos com situações muito piores das grandes cidades (à beira da marginal tietê por exemplo), no qual além da falta de estrutura, ainda há pelo menos poluições visuais, sonoras e do ar; isto sem considerar os altos índices de violência.
na verdade esta é muito mais uma questão socio-política que ecológica.

então voltemos a questão da sinurbização.

muitas vezes as pessoas não têm conforto em seus próprios lares apesar de todos quererem ter um lugar aconchegante. todos mesmo. aliás devido a esta busca incessante do bem-estar que muitos animais não conseguem conviver conosco. cada indivíduo apresenta necessidades próprias para estar bem consigo mesmo, alguns se contentam com um esgoto, outros não suportam uma determinada quantidade de toxinas na água que vivem. vai de cada um.
a sinurbização, como eu insinuei no outro post, é caracterizado por várias adaptações ecológicas e comportamentais. coisas interessantes e fáceis de se verificar.

aqui vou falar dos ninhos, e posteriormente abordarei outras coisas "bacanas" que forçamos os bichos a fazerem, pois criamos fortes pressões seletivas.

se v. já viu um ninho de alguma ave na cidade, provavelmente tenha visto materiais de origem humana, como plásticos e papéis.
fiz minha monografia com corujas buraqueiras dentro do campus da unesp, em rio claro, e encontrei materiais muito bizarros, desde placas ósseas, até pedaço de rabiola de pipa, bituca de cigarro, saquinhos de supermercado, papel alumínio, pedaços de isopor, dentre outras coisas.
esta foto é um belo exemplo de como pode ficar um buraco de coruja ecologicamente coerente (e não estou sendo irônico) num ambiente sinantrópico:


o acesso a esses materiais é relativamente fácil. basta olhar as calçadas das cidades ou nos lixos que descartamos e veremos muitos materiais que servem como isolantes térmicos - isso pra não falar dos alimentos contidos no lixo - e podem virar um ótimo material para confecção de ninhos.

a curiosidade é o que motiva muitos mamíferos e aves a experimentar coisas novas. quando um animal gosta de coisas novas dizemos que é neofilo (neo=novo + filo=amigo). somos o exemplo crasso de um animal neófilo. muitos humanos ficam maravilhados só de imaginar como seria viver outras coisas nem sempre possível. isso é possível graças a nossa capacidade de simbolizar. mas nem todos têm essa capacidade, pelo menos não nesse nível.
como tudo na personalidade de um animal, a neofilia não depende apenas da espécie a que pertence um ser, afinal a espécie indica algumas tendências, mas não que obrigatoriamente uma caracteristica vá se manifestar. depende, dentre outras coisas, do ambiente em que o indivíduo foi criado e cresceu. um animal que fique confinado a vida inteira num cubículo vai morrer de medo no caso de ser dada a opção de explorar um novo ambiente, enquanto animais que são criados de forma saudável podem apresentar um apetite a novas experiências sempre que lhe for dada a oportunidade.
aliás, nestas condições, quanto maior controle sobre o ambiente for dado a um animal, maior será o bem-estar dele.
é fácil espelhar isto em nossas vidas. quem não gostaria de uma vida sem regras? ou melhor, com nossas regras? quanto mais controle temos em nossas vidas, maior a satisfação que obtemos, alimenta a auto-estima e ficamos de bem com a vida.

animais neófilos também se adaptam mais rapidamente a novas condições ambientais, o que lhes conferem uma vantagem enorme num ambiente antropizado, uma vez que este muda constante e rapidamente.
esta característica, apesar disso, nem sempre é uma coisa boa. o camundongo (Mus musculus) é extremamente neófilo, o que o faz experimentar de tudo, inclusive iscas com veneno. o controle deste animal, como praga, se dá de forma muito mais fácil do que uma ratazana (Rattus norvegicus), pois este é neófobo, e não come qualquer coisa nova que apareça na sua frente. a verdade é que cada caso é um caso, e para isso é necessário o entendimento da bioecologia de cada espécie, afinal a ratazana também é muito bem adaptado ao ambiente sinantrópico.

a neofilia não só atua para a busca de materiais antropogênicos mas às vezes estruturas totalmente construídas por humanos são utilizadas como abrigo. o telhado da sua casa pode servir de casa para algum inquilino indesejado, seja um rato ou um morcego, uma ave ou mesmo um gato que encontrou uma fresta pra ali se alojar.
no caso dos animais domésticos é óbvio esta constatação.
há relatos de edificações que são utilizadas como abrigo por corujas. a suindara (Tyto alba) por exemplo tem entre outros nomes populares o de coruja-das-torres, ou coruja-de-igreja, pois comumente habita estruturas deste tipo no mundo todo.


modificar o habito de nidificação é apenas mais uma das facetas da plasticidade comportamental que os animais podem apresentar.
como em qualquer outro ambiente, mas particularmente neste, sobrevive o mais adaptado, é o que o titio darwin chamaria de 'the survival of the fittest' - erroneamente conhecido no português como 'a sobrevivência do mais forte'.

fontes consultadas:
- synurbization - adaptation of animal wildlife to urban development, de maciej luniak, proceedings 4th international urban wildlife symposium (2004)

4 comentários:

Danilo disse...

Shakman...

Sempre que penso nesta coisa dos animais urbanos eu fico pensando na diversidade. Vou pegar o exemplo das aranhas. Os aracnólogos conhecem milhares de espécies de aranhas aqui da região tropical e mais especificamente no Brasil, mas dentro dos ambientes urbanos são sempre as mesmas poucas espécies. Não que isso seja bom ou ruim... Isto pode ser fascinante pela capacidade ou plasticidade das espécies que conseguem invadir esses ambientes, mas por outro lado penso que existe uma quantidade enorme de nichos disponíveis no ambiente urbano e mesmo assim a diversidade continua baixa. É uma questão que me intriga e deixo aqui como sugestão para os seus ensaios... sei que muito provavelmente estou deixando de lado muitas outras questões quando tento fazer qualquer análise neste sentido.

glenn makuta disse...

é... assim que tiver conhecimento suficiente pra escrever sobre biodiversidade em ambiente urbano pode ter certeza que escreverei.

é realmente interessante a diversidade presente nesse ambiente. mas acho que ainda é necessário entender quais são os reais parâmetros reguladores presente nas cidades, pois é um ambiente bem heterogêneo, havendo desde áreas fortemente urbanizadas apenas com prédios presentes como também há "ilhas" de vegetação que causam modificações na diversidade local e mesmo microclimática.

quanto as espécies serem sempre as mesmas talvez seja mais por não ter animais pra ocupar os nichos do que pela presença destes nichos, até porque as cidades são fenômenos relativamente recentes.

ligia disse...

hum... acho que não concordo com o que vc disse das cidades serem recentes... acho que dá tempo suficiente pra uma porção de espécies ocuparem nichos abertos... acho que entram muitos fatores... plasticidade, oportuismo, neofilia... tudo isso que a gente tem falado... e sei lá, cada vez mais eu acho que isso aqui é pra quem guenta mesmo...

ZeKalango disse...

Tiro um exemplo disso tudo como os escorpiões, serpentes, lagartos que aparecem nas casas em centros urbanos, mas nem sempre isso acaba bem. Uma pena.