1 de julho de 2020

nova normose

O "novo normal" é  a nova normose.

O novo não é nada normal. É apenas mais uma exceção gerada por mais uma crise consecutiva. Você se lembra de quando não houve crise? Se lembra, provavelmente não estava prestando atenção.

O Estado de Exceção, o tecnoautoritarismo, a aceleração do capitalismo.

Ainda assim, nunca tivemos tanta condição de sonhar outros futuros possíveis e seguimos paralisados, apenas resistindo e encolhendo até ser impossível de esmagar.

A mudança precisa ser muito mais intensa e veloz do que estamos conseguindo.

Aqui o futuro só é certo para o mercado de futuros, onde leiloam todos os bens comuns, nossas vidas, nossas lutas.

Mas mais uma vez se resiste, que é o que sabemos fazer enquanto povo.
Todo apoio ao breque dos apps!
 
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9 de abril de 2020

Perspectiva alimentar da produção capitalista e a externalidade de mais uma pandemia

Esse texto é um ensaio em construção baseado em um entrevista que dei.

Rever os sistemas de produção alimentar é essencial para a promoção de uma alimentação saudável, com produtos provenientes da agricultura familiar e camponesa que garanta o acesso por todos. O modelo massificante e padronizante é o causador ou incubador de muitos dos problemas sociais, ambientais e alimentares que enfrentamos na atualidade. A comida esconde muita coisa que passa despercebido a olhos pouco treinados. Ressignificar as narrativas e tornar o invisível visível continua sendo um dos maiores desafios nesse campo, principalmente por conta das complexidades envolvidas.

É comum relacionar a problemática com o mercado de carnes ‘exóticas’ por ser algo diferente da nossa realidade, o que torna essa visão preconceituosa, ainda mais se associada ao perigoso discurso de guerra à virose (conforme alerta o antropólogo Umberto Pellecchia), como tem ocorrido em muitos canais de comunicação, induzindo a busca por um inimigo causador. A verdade é que o modelo que permite o surgimento dessas doenças é o próprio modelo intensivo (conforme a tese de Rob Wallace, autor de ‘Big Farms Make Big Flu' em entrevista ao Climate and Capitalism), muito praticado em países europeus, nos Estados Unidos e mesmo no Brasil, aqui principalmente com granjas gigantescas de frangos engaiolados. 

O modelo industrial vigente é o absurdo da agricultura que vai marginalizando as produções menores que vão sendo engolidas pelas grandes produções que visam a todo custo gastar menos e produzir mais, resultando em genéticas monótonas e que fornecem tais características em detrimento de diversidade, de rusticidade, de sabor, de saúde, de qualidade. Com isso vai-se naturalizando gradualmente práticas diversas e impensáveis (ou que eram impensáveis até um passado não muito distante) em produções de pequena ou média escala, tais como o uso compulsivo de antibióticos, de confinamento de grande quantidade de animais em espaços muito restritos, de privação dos comportamentos naturais esperados desses animais, da naturalização de mutilações para evitar os perigos dos comportamentos totalmente alterados pelas condições em que os animais vivem, de critérios de saúde animal que visam a sobrevivência em condições sanitárias extremamente higienistas e tecnificadas uma vez que pequenos problemas que surjam podem tomar proporções desastrosas. São diversas as externalidades negativas que valem o risco correr, já que os problemas são sempre democraticamente socializados, já que a real pandemia é o capitalismo.

Políticas públicas efetivas e ecologicamente adequadas são imprescindíveis para promover essas alterações no modelo produtivo, que por sua vez promoveria a soberania alimentar e genética.

Sem dúvida é difícil com um olhar ocidental, sobre uma cultura bem diferente da nossa, dizer o que outro país deve fazer. Dizer isso seria leviano e colonialista. De fato esses mercados são vitais para a subsistência e segurança alimentar e nutricional de milhões de agricultores familiares, comerciantes e consumidores. Ainda assim, parece haver uma fetichização e mercantilização do consumo de animais silvestres, seja para alimentação ou medicação, não sendo possível generalizar que este seja um hábito de todas as pessoas da maior população humana da Terra.

Mas ao recapitularmos um pouco, temos um impulsionamento desse tipo de produção numa história muito recente. O modelo mercadológico ao qual esses produtos foram adaptados são sem dúvida muito mais nocivos do que os produtos em si. Evidências científicas divulgadas em publicação na Lancet indicam a possibilidade do mercado de Wuhan sequer ter sido a origem do contágio em humanos do Covid-19 ou ainda que poderia ter havido mais de uma origem, o que torna ainda mais difícil condenar esse tipo de prática. 

A produção brasileira de carnes figura dentre as principais commodities produzidas e exportadas pelo país, motivo pelo qual o poder econômico e político do setor é gigantesco. No entanto se avaliarmos os diversos custos ambientais, sociais, culturais, tributários e de saúde pública, para nos ater a apenas alguns aspectos, temos enormes externalidades negativas que são totalmente negligenciadas e que superam os ganhos econômicos com que o setor possa por ventura contribuir. 

Mesmo na situação dos mercados molhados (wet markets) da China onde os animais silvestres são comercializados, temos a lógica da expansão sobre as matas primárias, tanto pela expansão da fronteira agropecuária como pelas incursões de busca e captura de espécimes silvestres para o comércio, aumentando o fluxo de pessoas e outros animais, colocando-os em contato muito próximo. Isso junto ao confinamento em massa e condições sanitárias precárias são condições ideais para a incubação das mais diversas viroses, permitindo o transbordamento de doenças de uma espécie a outra, como foi o caso do novo coronavírus.

A alternativa já defendida e praticada por muitos é a manutenção da floresta em pé. Essa é a forma como, desde há milênios, alimentos em abundância são fornecidas para seres humanos nesses ecossistemas. Desde que bem manejada ela pode continuar a oferecer alimento como um subproduto florestal imprescindível para os povos que ali vivem. No entanto, mesmo havendo um manejo adequado, um dos maiores desafios do abastecimento na região amazônica são as distâncias, com logística muito complexa e custosa. Daí a relevância de se fortalecer as cooperativas e centrais de comercialização da agricultura familiar a fim de superar tais dificuldades. Além disso, políticas públicas adequadas que garantam o Direito Humano à Alimentação Adequada, prevista em nossa Constituição Federal, também é essencial para amenizar tais custos, que poderiam vir, por exemplo, na forma de subsídios e renúncias fiscais e outras diversas facilidades concedidas a setores economicamente dominantes.

As atividades de desmatamento, promovidas por setores do agronegócio (junto a madeireiras e mineração) vão, em poucos anos, trazer enormes prejuízos para o próprio setor, colapsando o regime de chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país, que são bastante expressivas na produção agropecuária. Muito se fala na Amazônia em termos de desmatamento, mas essa é também uma dura realidade da financeirização das terras em todo o país, e talvez até mais gravemente num dos biomas mais antigos do planeta, o Cerrado, que também sofre gravemente com impactos desse setor produtivo e não apresenta condição ecológica suficiente para se regenerar. Ainda assim projetos como o Matopiba – de expansão da fronteira agropecuária sobre o Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – seguem a todo vapor devastando toda sociobiodiversidade lá existente. O Brasil é o país mais megadiverso do planeta e culturalmente aprendemos desde cedo a não dar muito valor a essa diversidade, e por isso muitas vezes perdemos uma infinitude de formas de vida muito antes de conhecer suas potencialidades. 
Matopiba: Terra arrasasda no Cerrado nordestino
Sem dúvida que a produção e consumo de carnes precisam ser reduzidas drasticamente, comer menos e melhor ('less, better'), como prenuncia a campanha Slow Meat. A agricultura familiar e a agroecologia são bons exemplo da alternativa possível e necessária da forma de se produzir, de organizar socialmente, de comercializar e dar acesso a alimentos diversificados, em sua maioria produtos vegetais, mas também de derivados de origem animal. Boa parte do abastecimento já é realizado pela agricultura familiar e pelos  empreendedores agrícolas de pequena e média escala, muitos desses acabam utilizando o pacote tecnológico fomentado pela indústria química e de sementes por falta de assistência técnica que busque eliminar a dependência desses insumos. 

A solução não seria uma dieta baseada exclusivamente em vegetais, mas numa baseada em biodiversidade ('biodiversity-based diet' para contrapor o 'plant-based diet', que muitas vezes são apropriadas pelas grandes indústrias, inclusive agrotóxicos e de carnes). Quando se tem um modelo produtivo biodiverso, há menor ocorrência de doenças na produção, menos consumo de insumos, mais mão de obra empregada, mais nutriente ingerido, circuitos de comercialização mais curtos, respeito à sazonalidade. Passamos a nos reconectar com os ciclos e limitações da natureza, a qual custamos em entender que integramos, aumentamos nossa saúde e resiliência e também a dos sistemas produtivos. 
Toda cidade tem em seu território ou no seu entorno  agricultores familiares, agroecológicos, produtores artesanais e de pequena escala. Geralmente eles são a solução que temos próximos mas que nem sempre estão facilmente acessíveis por não terem canais de comercialização estruturados. 

Em tempos de pandemia, com as entregas em domicílio em alta, os grupos e células de consumo responsável tem se tornado uma estratégia importante para manter o abastecimento da cidade e da renda no campo e assim enxergarmos o invisível: o valor de quem produz o alimento que comemos três vezes por dia.


Algumas iniciativas de âmbito nacional que valem destacar é da rede jovem do Slow Food (SFYN), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ou ainda o Open Food Brasil. Localmente diversas outras iniciativas também têm surgido e vale buscar pelas organizações e movimentos atuantes em cada território para saber mais.

Existem muitas realidades da quarentena, desde pessoas que estão em família ou numa estrutura comunitária (das mais diversas classes sociais) onde há suporte mútuo entre as pessoas, aquelas que estão confinadas em apartamentos minúsculos nas metrópoles ou ainda da realidade das periferias onde não é possível realizar adequadamente as recomendações de quarentena nem de higiene por falta de saneamento básico e acesso à água potável. Desse último grupo ainda é necessário grande solidariedade de outros grupos sociais pois são os primeiros que sofrem com o avanço da pobreza e fome e desmonte das políticas sociais. Vale acompanhar o G10 das Favelas, que tem ainda uma campanha de financiamento coletivo para estruturar os empreendimentos locais e dar apoio assistencial. Organizações da sociedade civil ligadas aos temas da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e de agroecologia têm cobrado ações do Estado para que essa situação não se agrave ainda mais. Leia as cartas do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) para saber mais.

As possibilidades alimentares são de toda natureza e aquelas que não sabem cozinhar e não têm ninguém com essa aptidão no círculo social mais próximo tende a piorar sua alimentação.

É claro que se você tem aptidões culinárias e está disposto pode aprender muita coisa e se esse é seu caso, precisa buscar saber mais o que você alimenta quando se alimenta. Comer pode ser um processo educativo permanente onde é possível conhecer coisas novas a todo momento. E nesse sentido expandir o olhar para além do alimento em si, e pensar mais amplamente de onde vem, quem e como produziu, qual o impacto na saúde e no meio ambiente são reflexões importantes que esse momento pode potencializar para alguns públicos específicos.

A ruptura do modelo produtivo é o mais desejável já que 'não podemos voltar a normalidade já que a normalidade é o problema', como dizia a projeção no Chile ou é 'uma crise mortal' como diz Naomi Klein. No entanto o que está em acirrada disputa são pelo menos outros dois modelos, de este ser uma momento excepcional e voltar à 'normalidade', ou de acelerar os problemas uma vez que para as classes dominantes, eles ainda são insuficientes, vale a leitura da reflexão de Rafael Evangelista em A distopia da aceleração está a caminho?.

No entanto, se atendo à perspectiva mais otimista, a da ruptura, essa é sem dúvida uma oportunidade sem igual na história recente onde as classes mais privilegiadas estão em quarentena e tendo que lidar com um cotidiano caseiro com o qual muita gente não estava preparada nem habituada. Se de fato conseguiremos aproveitá-la para melhorar a alimentação e as relações de exploração que estão postas, será possível avaliar somente retrospectivamente. Pelo menos na alimentação, muitas pessoas estão recorrendo a aplicativos de comida pronta com entrega em domicílio (que muitas vezes são de alimentos não-saudáveis) e ultraprocessados (que definitivamente fazem mal a saúde), que geralmente ainda são alimentos sem proveniência rastreável. O conforto dessa alimentação é o conforto da alienação, onde as pessoas são habituadas apenas a conhecer o preço que aparece no caixa do supermercado e da alienação para o descaso é um pulo, como lembra Michael Pollan em O Dilema do Onívoro. A alienação é peça fundamental para que uma alimentação adoecedora e geradora de pandemias continue acontecendo com frequência cada vez maior.

Então precisamos somar esforços para as escolhas individuais influenciem esferas maiores e que o consumo de alimentos in natura e minimamente processados produzidos pela agricultura familiar contribua para a estruturação duradoura de cadeias curtas de distribuição e comercialização, e que aproximação a produtores fortaleçam laços e de políticas públicas adequadas para superação da insegurança alimentar e nutricional se tornem perenes. A mudança que era impossível pode se tornar inevitável nas próximas semanas.

Precisamos acabar com essa equação maldita: destruição de habitats (onde patógenos ocorria como espécie secundária e sem causar problemas) + expansão de fronteira agropecuária (interface entre tais doenças e atividades humanas como também com setor madeireiro e da mineração) + pecuária intensiva (onde incuba e alastra as doenças) + alienação sobre os sistemas produtivos (que garante a manutenção do modelo que gera o problema) = combinação perfeita pra surgimento de pandemias e sua recorrência.

Cabe a cada um e à coletividade fortalecer para que esses aprendizados não sejam ocasionais, se assim de fato conseguirmos consolidar tudo isso, passamos a ter um futuro um pouco mais promissor adiante.

25 de dezembro de 2019

o sonho contemporâneo

p.20
"A rotina do trabalho diário é a falta de tempo para dormir e assinar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização nomundo industrial globalizado. No século XXI, a busca pelo sono perdido envolve rastreadores de sono, colchões hi-tech, máquinas de estimulação sonora, pijamas com biossensores, robôs para ajudar a dormir é uma cornucópia de remédios. A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo ser impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.
E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livremente é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. No início do século XVII, William Shakespeare escreveu que "Somos da mesma matéria/Da qual são feitos os sonhos". Uma geração depois, na peça trafegam A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatismo a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio bem controle, solta para tremer, criar, perder  e achar."

Sidarta Ribeiro em "O oráculo da noite"

24 de dezembro de 2019

abismo

"Não tem fim do mundo mais iminente do que quando você tem um mundo do lado de lá do muro e um do lado de cá, ambos tentando adivinhar o que o outro está fazendo. Isso é um abismo, isso é uma queda. Então a pergunta a fazer seria: "Por que tanto medo assim de uma queda se a gente não fez nada mas outras eras senão cair?"
Já caímos em diferentes escalas e em diferentes lugares do mundo. Mas temor muito medo do que vai acontecer quando a gente cair. Sentimos insegurança, uma paranoia da queda porque as outras possibilidades que se abrem exigem implodir essa cada que herdamos, que confortavelmente carregamos em grande estilo, mas passamos o tempo inteiro morrendo de medo. Então, talvez o que a gente tenha que fazer é descobrir um paraquedas. Não eliminar a queda, mas inventar e fabricar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos. Já que aquilo de que realmente gostamos é gozar, viver no prazer aqui na Terra. Então, que a gente parte de despistar essa nossa vocação e, em vez de ficar inventando outras parábolas, que a gente se renda a essa principal e não ser deixe iludir com o aparato da técnica. Na verdade, a ciência inteira vive subjugada por essa coisa que é a técnica.
(...)
Já que ser pretende olhar aqui o Antropoceno como o evento que pôs é contato mundos capturados para esse núcleo preexistente de civilizados, é importante lembrar que grande parte daqueles mundos desapareceu sem que fosse pensada uma ação de eliminar aqueles povos . O simples contágio do encontro entre humanos daqui e de lá fez com que essa parte da população desaparecesse por um fenômeno que depois ser chamou epidemia, uma mortandade de milhares e milhares de seres. Um sujeito que saía da Europa e descia numa praia tropical largava um rastro de morte por onde passava. O indivíduo não sairá que era uma peste ambulante, uma guerra bacteriológica em movimento, um fim de mundo; tampouco sabiam as vítimas que eram contaminadas. Para os povos que receberam aquela visita e morreram, o fim do mundo foi no século XVI. Não estou libertando a responsabilidade é a gravidade de toda a máquina que moveu as conquistas coloniais, estou chamando atenção para o fato de que muitos eventos que aconteceram foram o desastre daquele tempo. Assim como nós estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo, ao qual algumas seletas pessoas chamam de Antropoceno. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações, e estamos todos jogados nesse abismo."
Trechos de 'A humanidade que pensamos ser' do Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton  Krenak 

16 de agosto de 2019

Alegrias de viver

Cantar, dançar e viver experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades — as nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que fomos capazes de inventar, não botar ela no mercado. Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, vamos pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões, nossas poéticas sobre a existência. Definitivamente não somos iguais, e é maravilhoso saber que cada um de nós que está aqui é diferente do outro, como constelações. O fato de podermos compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando não significa que somos iguais; significa que somos capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar o nosso roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de uma humanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estarmos vivos.
Ailton Krenak (2019) em Ideias para Adiar o Fim do Mundo.

desenvolvimento e dívida climática e ecológica

  Os países ricos, definitivamente, devem mudar seu estilo de vida, que coloca em risco o equilíbrio ecológico mundial  pois, nesta perspectiva, como apontam José María Tortosa e o economista egípcio Samir Amin, também são de alguma maneira subdesenvolvidos ou "mal desenvolvidos". Empenhados nesta tarefa, terão de voltar por boa parte do caminho que percorreram, dando marcha a ré em um crescimento irrepetível em nível mundial. Igualmente devem assumir sua corresponsabilidade para da espaço a uma restauração global dos danos provocados  em outras palavras, devem pagar sua dívida ecológica. 
  Não se trata simplesmente de uma dívida climática. A dívida ecológica encontra suas origens na espoliação colonial  a extração de recursos minerais ou a derrubada massiva de bosques naturais, por exemplo  e se projeta tanto no intercâmbio ecologicamente desigual"como na ocupação gratuita do espaço ambiental" dos países empobrecidos em decorrência do estilo de vida predatório dos países industrializados. Aqui, cabe incorporar as pressões provocadas sobre o meio ambiente através das exportações de recursos naturais  normalmente a preços baixos, que não incorporam, por exemplo, a perda de nutrientes e biodiversidade nos países subdesenvolvidos , exacerbadas pelas crescentes pressões que se derivam da proposta de abertura total dos mercados. A dívida ecológica cresce, também, a partir de outra vertente, relacionada à anterior, na medida em que os países mais ricos superaram em muito seus equilíbrios ambientais nacionais ao transferir poluição (resíduos ou emissões) direta ou indiretamente a outras regiões sem assumir qualquer ônus por isso. 
  Ainda temos de acrescentar a biopirataria, impulsionada por várias corporações transnacionais que patenteiam em seus países de origem uma série de plantas e conhecimentos indígenas. Nesta linha de reflexão, também cabem os danos que se provocam à Natureza e às comunidades, sobretudo camponesas, com as sementes geneticamente modificadas. Por isso, poderíamos perfeitamente afirmar que não apenas existe um intercâmbio comercial e financeiramente desigual, como propõe a teoria da e dependência, mas também se registra um intercâmbio ecologicamente desequilibrado e desequilibrador. 
  A crise provocada pela superação dos limites da Natureza nos leva necessariamente a questionar a institucionalidade e a organização sociopolítica. Tenhamos presente que, como escreveu o físico alemão Egon Becker, "na crise ecológica não apenas se sobrecarregam, distorcem e esgotam os recursos do ecossistema, mas também os dos 'sistemas de funcionamento social'. (...) A sociedade se converte em um risco ecológico". Esse  risco amplifica as tendências excludentes e autoritárias, assim como as iniquidades tão próprias do sistema capitalista: "um sistema de valores, um modelo de existência, uma civilização: a civilização da desigualdade", tal como o compreendia o economista austríaco Joseph Schumpeter. 
  Diante destes desafios, aflora com força a necessidade de repensar a sustentabilidade em função da capacidade de uso e resiliência da Natureza. Em outras palavras, a tarefa radica no conhecimento das verdadeiras dimensões da sustentabilidade e em assumir a capacidade da Natureza de suportar perturbações  que não podem subordinar-se a demandas antropocêntricas. Esta tarefa demanda uma nova ética para organizar a vida. É necessário reconhecer que o desenvolvimento e o progresso convencional nos conduzem por um caminho sem saída. OS limites da Natureza, aceleradamente transbordados pelos estilos de vida antropocêntricos, particularmente exacerbados pelas demandas de acumulação do capital, são cada vez mais perceptíveis. 
  São objetivos complexos. Em vez de manter o divórcio entre a Natureza e o ser humano, provocado pela violência de uma concepção de vida predatória e certamente intolerável, há que possibilitar seu reencontro. O filósofo francês Bruno Latour nos diz que ä questão é sempre a de reatar o nó górdio, atravessando, tantas vezes quantas forem necessárias, o corte que separa os conhecimentos exatos e o exercício do poder, digamos, a natureza e a cultura". Latour propões profundos debates na antropologia sobre a divisão entre Natureza, no singular, e culturas, no plural. Unindo as duas, a política adquire uma renovada atualidade. 
  Para obter essa transformação civilizatória, é preciso inicialmente desmercantilizar a Pacha Mama ou Mãe Terra, como parte de um reencontro consciente com a Natureza. É um desafio especial para quem vive nas cidades  que se encontram, no mínimo, distantes da Natureza. Os habitantes das cidades devem entender e assumir que a água, por exemplo, não vem dos supermercados ou da torneira. 
  Os resultados econômicos devem estar subordinados às leis de funcionamento dos sistemas naturais, sem perder de vista o respeito à dignidade humana e procurando assegurar qualidade de vida às pessoas. Concretamente, a economia deve demolir toda a construção teórica que esvaziou "de materialidade a noção de produção e [separou] completamente a racionalidade econômica do mundo físico, completando, assim, com seu carrossel de produção e crescimento, o mero campo do valor, nas palavras do economista espanhol José Manuel Naredo.
  A economia deve submeter-se à ecologia. Por uma razão muito simples: a Natureza estabelece os limites e alcances da sustentabilidade e a capacidade de renovação que possuem os sistemas para autorrenovar-se. Disso dependem as atividades produtivas. Ou seja: se se destrói a Natureza, destroem-se as bases da própria economia. 
  Isso nos obriga a evitar ações que eliminam a diversidade e a substituem pela uniformidade provocada pela megamineração, pelos monocultivos ou pelos trangênicos, por exemplo. Tais atividades, como reconhece o ecologista chileno Godofredo Stutzin, "rompem os equilíbrios, produzindo desequilíbrios cada vez maiores". 
  Escrever essa mudança histórica, ou seja, a transição de uma concepção antropocêntrica para uma sociobiocêntrica, é o maior desafio da Humanidade, se é que não queremos colocar em risco a existência do prprio ser humano sobre a Terra.
Alberto Acosta (2016) em O Bem Viver - uma oportunidade para imaginar outros mundos, p.118-121

11 de julho de 2019

Bolsonaro à bancada ruralista: 'Esse governo é de vocês'

Em café da manhã com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), presidente reforçou lealdade ao grupo e destacou que indicou ministro 'casado' com o agronegócio

Isadora Duarte, O Estado de S.Paulo
04 de julho de 2019 | 11h48

O presidente Jair Bolsonaro reforçou "sua lealdade" aos parlamentares da bancada ruralista, nesta quinta-feira, 4, em Brasília. "Esse governo é de vocês", disse o presidente em café da manhã com deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). "Como deputado, em 100% das vezes votei acompanhando a bancada ruralista. E vocês sabem que votar com bancada ruralista é quase como parto de rinoceronte, recebendo críticas da imprensa, de organizações não governamentais e de governos de outros países", afirmou o presidente.
Bolsonaro destacou que a maior demonstração de que está ao lado da bancada ruralista é a indicação de um ministro para o Meio Ambiente "casado" com o agronegócio. "Imaginem o inferno que seria a vida de vocês se tivéssemos um ministro do Meio Ambiente como os anteriores. Tivemos a oportunidade e o bom senso de escolher ministro para Meio Ambiente que casa questão ambiental com desenvolvimento", enfatizou o presidente.
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O presidente Jair Bolsonaro  Foto: Carolina Antunes/PR
No fim de seu discurso, o presidente reafirmou seu compromisso com os interesses da bancada do agronegócio. "Eu e Ramos (presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência) devemos lealdade a vocês que nos colocaram no Planalto. Continuamos juntos", concluiu.
Também estiveram no café da manhã o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Antonio de Oliveira Francisco, o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da Republica, Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno, o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), a líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSL/SP), e o líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado federal Major Vitor Hugo (PSL/GO).

9 de abril de 2019

medo da primavera

Video-reportagem do Coletivo Catarse, produzida com apoio da APISBio coloca em foco a mortandade de Abelhas na região central do RS, contaminadas com venenos agrícolas.

A vídeo-reportagem “Medo da Primavera – uma hecatombe em andamento”, traz testemunhos e fatos sobre o acontecimento, deixando bem claro o que ocorreu, por que ocorreu e onde. Não foi um fato isolado – e isso traz muita perplexidade a todos os envolvidos

Brasil deixou de arrecadar R$ 2 bilhões com isenções a agrotóxicos em 2018

Perda tributária com comercialização de venenos agrícolas cresceu 32% em um ano
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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Ouça o áudio:
A produção de cana-de-açúcar é uma das atividades agrícolas que mais utiliza insumos / Foto: Agência Brasil
Em apenas um ano, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões em isenções fiscais concedidas à comercialização de agrotóxicos. Em 2018, as desonerações aos insumos agrícolas cresceram 32% na comparação com o ano anterior, quando a renúncia fiscal foi de R$ 1,57 bilhão. 
Entre 2015 e 2018, as isenções acumularam R$ 7,1 bilhões – valor próximo ao que o governo federal pretende economizar com a reforma da Previdência dos militares, por exemplo. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, a estimativa é que o país tenha uma economia líquida de R$ 10 bilhões em dez anos com a proposta encaminhada ao Congresso Nacional.
Os produtos agrícolas têm redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.
O argumento dado é que os agrotóxicos são insumos essenciais e imprescindíveis para a atividade agrícola e para a economia nacional, explica o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
"Isso foi estabelecido com base na resposta dos adubos, mas que foi estendido aos venenos agrícolas. Hoje, nós sabemos que o uso desses produtos causa danos para a sociedade e para a própria agricultura, na medida em que força o surgimento de pragas mais resistentes", diz. 
Melgarejo é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordena o Grupo de Trabalho sobre Transgênicos e Agrotóxicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Ele considera "escandalosas" as renúncias fiscais em um contexto de austeridade e em que se discute alterações na Previdência.
"Esse é o principal problema. O Estado retira dinheiro da educação e da saúde e deixa de cobrar dinheiro de empresas transnacionais que provocam danos para a saúde. Quando sabemos que, em um processo gradativo e mediado, é possível transferir o modelo de produção viciado em veneno para um modelo de base agroecológica."
O defensor público Marcelo Novaes pondera que os venenos são usados, principalmente, na produção em larga escala de commodities, principalmente soja e milho. Ele avalia que este montante é uma "gota no oceano" de privilégios dados ao setor. Do total de agrotóxicos utilizados no Brasil, 52% são direcionados para plantações de soja, cana-de-açúcar e milho. 
“Ou seja, você está desonerando o agrotóxico que vai ser utilizado em uma atividade utilizada basicamente para a produção de commodities ou produtos produzidos em larga escala, como a cana açúcar, ou para a exportação”, ele continua. “A crise fiscal do nosso país decorre disso. Dessa transferência de renda da sociedade para o setor latifundiário e exportador.”
Falta transparência 
O cálculo é ainda maior se consideradas as isenções dadas pelos estados. Novaes investigou, no âmbito da Defensoria Pública, a perda tributária com as desonerações do ICMS em São Paulo. Em 2015, o estado deixou de arrecadar R$ 1,2 bilhão com a comercialização, importação e transporte do insumo – valor menor do que o orçamento da Secretaria Estadual de Agricultura no mesmo ano, de R$ 1,12 bilhão.
Deste montante, R$ 400 milhões foram fruto do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que permite redução da base de cálculo dos impostos e está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2016, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou uma ação que questiona constitucionalidade das cláusulas.
As isenções também foram questionadas em Santa Catarina. Há três meses, foi publicada a Tributação Verde, uma lei que passa a cobrar ICMS de agrotóxicos no estado. A perda de arrecadação estimada no estado é de R$750 milhões.  A legislação entra em vigor a partir do dia 1º de abril.
Marcelo Novaes calcula que as renúncias, em âmbito estadual e nacional, podem chegar a valores maiores do que o divulgado. Isso porque os valores não incluem a isenção tributária ou alíquota zero na importação dos agrotóxicos. Só de glifosato, o país importou mais de R$ 500 milhões em 2018. 
“Além dessa desoneração, existe a perda de arrecadação tributária que não está computada porque o agrotóxico é um insumo. E como insumo, ele pode ser abatido integralmente dos impostos sobre a renda do produtor rural, pessoa física ou jurídica”, explica o defensor. 
“Assim como você deduz integralmente os gastos de saúde da sua renda tributável. Em um setor em que eu estimo que 90% dos agrotóxicos são utilizados por médios e grandes produtores para a atividade de produção de commodities, você está deixando de colocar impostos na sua cesta”, completa. 
Além disso, Novaes amplia a discussão e pondera que a arrecadação dos produtos agropecuários, de maneira geral, é irrisória. Ele lembra da isenção de imposto para exportação, pela Lei Kandir, e que o setor também tem tratamento privilegiado para a compra de fertilizantes, adubação química, aquisição de maquinário e benefícios fiscais no uso da água para irrigação.
“Em outros países há a chamada tributação verde, com base na premissa 'quem polui, paga'. Aqui é quem polui, não paga; quem lucra, não paga", critica o defensor público.
Leonardo Melgarejo também se preocupa com a flexibilização do uso dos agrotóxicos e, por isso, acredita que o valor das renúncias tende a subir. Nos primeiros dois meses de governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a autorização de 86 novos produtos elaborados com agrotóxicos; uma média de dois venenos liberados a cada três dias. 
 "Os interesses do agronegócio fazem pressão em todos os governos; eles estiveram envolvidos em todas as administrações. Mas, neste momento, se tornou obsessiva a sua pressa por obtenção de benefícios", finaliza.

11 de março de 2019

agrobiodiversidade


"Reflete as dinâmicas e complexas relações entre as sociedades humanas, as plantas cultivadas e os ambientes em que convivem, repercutindo sobre as políticas de conservação dos  ecossistemas cultivados, de promoção da segurança alimentar e nutricional das populações humanas, de inclusão social e de desenvolvimento local sustentável.
(...)
segundo a Decisão V/5, a agrobiodiversidade é um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que contituem os agroecossistemas: a variedade de animais, plantas e microorganismos, nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas, necessários para sustentar as funções-chave dos agroecossistemas (...)

(...) das cerca de 50 mil espécies de mamíferos e aves conhecidos, a rpoximadamente quarenta foram domesticadas e, dessas espécies, os agricultores desenvolveram cerca de cinco mil raças adaptadas a condições ambientais locais e a necessidades específicas
(...)
diversidade biológica, genética e ecológica
(...)
sistemas socioeconômicos e culturais que gram e constroem a diversidade agrícola.
(...)
Segundo o relatório, nos últimos cem anos, os agricultores perderam entre 90% e 95% de suas variedades agrícolas. (...)
A perda da biodiversidade agrícola é causada sobretudo pela substituiç˜åo das variedades locais e tradicionais, que se caracterizam por sua ampla variabilidade genética, pelas variedades "modernas", de alto rendimento e estreita base genética. (...) Desapareceram tanto espeecies comoas variedades cultivadas dessas espécies, e não só as espécies domesticadas pelo homem como também os seus parentes silvestres continuam a desaparecer, (...)"


29 de agosto de 2018

Faz sentido benefícios tributários sobre agrotóxicos?


Por Tathiane Piscitelli | Valor

Tramita no Supremo Tribunal Federal a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 5.553, que discute a validade de benefícios fiscais de ICMS e IPI concedidos a agrotóxicos. Em linhas gerais, o Convênio ICMS nº 100, de 1997, prevê redução de 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais de produtos desse tipo e a tabela do IPI, de outro lado, estabelece a alíquota zero para os mesmos bens.

O IPI e o ICMS, como é sabido, são impostos que se pautam pelo princípio da seletividade, cuja referência é a essencialidade do bem: quanto mais essencial, menor deve ser a alíquota fixada. Trata-se de mitigar o efeito inerentemente regressivo da tributação do consumo. Esse é um mandamento constitucional e não mera escolha de política fiscal do ente tributante.

De outro lado, a concessão de benefícios tributários configura gastos indiretos para os entes, que optam pelo não recolhimento do tributo (ou pela redução da incidência) com o objetivo de estimular o setor beneficiado. Trata-se, pois, de alocação de recursos públicos em determinadas áreas, porque julga-se que os benefícios advindos do incentivo compensarão as perdas arrecadatórias.

A existência de benefícios fiscais tão significativos aos agrotóxicos revela, como fica óbvio, evidente incentivo estatal para o uso das substâncias, além de implicar o financiamento público indireto da indústria. Em um cenário de crise financeira e revisão de privilégios, parece-me apropriado que joguemos luzes sobre esse tema.

A Advocacia Geral da União, intimada a se manifestar na Adin, defendeu os incentivos, sob argumentos de natureza econômica: sendo os agrotóxicos insumos relevantes na produção agrícola, seu incentivo beneficia, em última análise, os alimentos e, assim, o consumidor final, que terá um produto mais barato. Nesse sentido, teríamos realização da seletividade imposta ao IPI e ao ICMS.

O argumento, porém, não se sustenta. Em primeiro lugar, alimentos e agrotóxicos não se confundem. Conceder benefícios fiscais para um não tem como consequência direta o benefício do produto agrícola. Essa postura, ao contrário, pode estimular o uso massivo dessas substâncias, cujos efeitos são reconhecidamente nocivos para a saúde da população. É o oposto, portanto, da função extrafiscal do IPI: o resultado, aqui, é o estímulo ao consumo de um produto que gera externalidades negativas notórias.

Ademais, assumir a premissa de que o benefício ao agrotóxico reverbera no preço final do alimento implica afirmar que essa é a única forma possível de baratear a produção agrícola e o produto final respectivo. A redução da tributação do próprio produto final, das máquinas utilizadas, das prestações de serviços intermediárias, entre outros, são alternativas à redução do custo final do alimento. Isso tudo com a vantagem de não depreciarem a qualidade da produção agrícola para o consumo humano, nem submeterem os trabalhadores rurais ao contato com substâncias venenosas.

Em outubro de 2017, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se na ação, opinando pela sua procedência, reconhecendo que a manutenção dos incentivos resulta no fomento do uso de agrotóxicos – e o nosso movimento normativo deveria ser exatamente o oposto. Ato contínuo, o relator, ministro Edson Fachin, requereu pareceres e esclarecimentos de diversas entidades técnicas e ligadas a saúde, para melhor embasar o julgamento da questão. Em 22 de agosto último, os autos foram conclusos.

Parece evidente que o Estado não deve ser o agente que financia e incentiva o uso de agrotóxicos na produção agrícola. É preciso lembrar também que o consumo de alimentos capazes de depreciar a saúde da população no longo prazo, assim como a exposição de trabalhadores do campo a substâncias tóxicas, tem impacto nas contas públicas, em razão de despesas ocasionadas por doenças resultantes dessa exposição em alto grau – seja no sistema de saúde, seja no de previdência social.

Em sua função extrafiscal, o direito tributário deve ser utilizado para corrigir externalidades negativas e não incentivá-las. É urgente o julgamento do tema pelo Supremo, com a declaração de inconstitucionalidade das normas acima mencionadas. A manutenção desses benefícios desvirtua severamente a natureza seletiva do IPI e do ICMS e aporta recursos públicos em indústrias que deveriam ser desestimuladas.

10 de julho de 2018

Agroecologia na FAO, Catedral da Revolução Verde


- "agroecology is not a set of tools or practices than can be used to make large-scale and capital-intensive agriculture systems more sustainable."

- "importance of scaling-up open-source information systems for small-scale farmers, strengthening the participation of often marginalised communities (such as pastoralists) in policy-making forums, and demanding equal representation of women in leadership positions of rural institutions."

- "highlighted the fact that local knowledge systems are essential for maintaining agroecological production, and therefore participatory research methodologies are needed to fully understand the range of benefits of these production systems and then effectively translate those findings into policy spheres."

"it is clear that the further institutionalisation of agroecology in FAO’s “Cathedral of the Green Revolution,” as named by the FAO Director General during the First International Agroecology Symposium in 2014, casts an uncharted, but certainly contested, policy future for agroecology. It’s up to agroecologically-orientated farmer organisations and social movements to keep pressure on policy makers to embed this promising approach."

para ler o texto de jordan treakle na íntegra, acesse http://www.arc2020.eu/institutionalising-agroecology-in-the-cathedral-of-the-green-revolution/.

para ler mais sobre o segundo simpósio de agroecologia da FAO, acesse http://www.fao.org/about/meetings/second-international-agroecology-symposium/es/

Documentos chave:
Iniciativa para ampliar la escala de la agroecología - Una propuesta con motivo del segundo Simposio
Second International Symposium on Agroecology - Chair's Summary

O lobby dos agrotóxicos - video